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20/Out - #107
Recentemente, durante um jantar com founders, percebi algo interessante: metade deles estava criando startups cuja interface com o WhatsApp era essencial. Isso reforça o que muitos já suspeitam: na América Latina, o WhatsApp emergiu como uma das plataformas mais promissoras para criar empresas globais de sucesso.
O motivo é simples: a mensageria é o verdadeiro ‘killer app’ dos celulares. Mesmo sem redes sociais, é difícil imaginar um celular sem um app de mensagens. No cerne da criação do celular está a comunicação. Com quase 3 bilhões de usuários enviando mais de 100 bilhões de mensagens diárias, o WhatsApp já é parte central do cotidiano. O app está instalado no smartphone de 99% dos brasileiros, e 93% usam o aplicativo todo dia.
Como disse Sasha Kaletsky, se alienígenas descessem à Terra e tentassem entender como os humanos interagem uns com os outros, provavelmente classificariam nossa comunicação como sendo de uma espécie predominantemente baseada no WhatsApp. Nosso uso do app de mensagens mais popular do planeta é tão peculiar que caiu nas graças do Zuckerberg, fazendo-o escolher o Brasil como host do evento anual mais importante da plataforma, o Conversations, que ocorreu em Junho, em São Paulo.
O WhatsApp também identifica usuários legítimos com base em padrões de uso: se você está em grupos com seus contatos, comunica-se com alguma frequência e verificou seu número, há uma alta probabilidade de ser uma pessoa real. Por outro lado, se você envia milhares de mensagens de SPAM e ninguém responde, é provável que seja um fake. A mesma lógica também acontece para empresas. Assim, o WhatsApp criou um dos sistemas de identificação mais poderosos do mundo, assegurando uma rede de usuários ativos e legítimos.
Garantir uma rede na qual as pessoas e empresas estejam online e sejam legítimas é muito valioso, uma vez que é um endereço virtual que já está se tornando mais importante que o e-mail em alguns países. Mas é mais do que isso: WhatsApp é uma plataforma no qual aplicações são construídas. Através dele, é possível traduzir textos, realizar agendamentos, usar inteligência artificial, efetuar pagamentos, enviar remessas onlines, criar conteúdos, se educar e muito mais.
Como diz o professor Andrei Hagiu, plataformas são ferramentas que habilitam conexões entre dois clientes adjacentes. E se tem algo que ele permite, é a relação entre diferentes entidades: Pessoas com Pessoas, Empresas com Pessoas, Empresas com Empresas, Robôs com Pessoas. É através dessas conexões que está o potencial.
Mais do que uma plataforma de mensagens
O WeChat é o exemplo mais famoso de SuperApp, que começou como mensageria e foi muito além: tornou-se uma plataforma no qual os usuários podiam solicitar táxi, transferir dinheiro, comprar ingressos, usar redes sociais e navegar na internet. Esse modelo foi possível graças a um contexto único na China, marcado por um regime autoritário e um controle rígido de acesso.
No entanto, o WhatsApp está criando um tipo diferente de SuperApp, que não prejudica a sua função central de mensageria, mas a fortalece. Em vez de sobrecarregar o aplicativo com funções que competem entre si, a experiência na plataforma está sendo impulsionada por três grandes forças: o comércio, a inteligência artificial e a construção de aplicativos dentro do próprio WhatsApp
WhatsApp e Comércio
A intersecção de negócios com chat aparenta melhorar a experiência do usuário. O WhatsApp está incluindo funcionalidades de negócios, mas sem deixar de ser, essencialmente, um espaço de comunicação. Afinal, como mencionou Byrne Robart, comunicação e comércio são no limite, a mesma coisa. Sempre que há um avanço na comunicação, o preço de qualquer bem e a economia como um todo se tornam mais eficientes. Isso acontece porque dois aspectos fundamentais melhoram: há mais clareza sobre as informações do bem (preço, qualidade, demanda, oferta) e essas informações circulam mais rápido.
Um exemplo interessante da geração 2000-2010 é o Buscapé: ao agregar preços de diversos produtos em diferentes sites, ele comunicava ao comprador os preços disponíveis de maneira transparente e acessível. Isso tornava o mercado mais eficiente ao reduzir a assimetria de informações. Expandir o comércio no WhatsApp, portanto, é aumentar a quantidade e a qualidade das informações transacionadas, e, consequentemente, melhorar a eficiência da economia. Ao permitir que negócios integrem catálogos, atendimento ao cliente e pagamentos dentro do aplicativo, o WhatsApp facilita tanto a comunicação quanto às transações comerciais, acelerando o ciclo de compra e venda. Junte isto a transações instantâneas como o Pix e veja a revolução cambriana.
Meta AI
O ponto alto do último Meta Connect (set/24) foi a divulgação do Meta AI, a solução de chat de inteligência artificial da Meta. Sendo muito simplista, é um chatgpt dentro do WhatsApp com o seu modelo open source Llama 3.2. Isto ajuda na visão de agregar serviços de valor para o usuário do WhatsApp. Você poderá editar fotos, fazer perguntas, traduzir textos e conversar com avatares de criadores de conteúdo nesse espaço. Mesmo ainda sem estar disponível a todos os países e locais, já será o maior assistente de AI do mundo.
Da perspectiva do usuário, é um novo paradigma. O chat do WhatsApp será a figura de um assistente ou auxiliar em tarefas mundanas. É um passo da empresa para capturar mais um pouco de real estate do uso de celular - ao invés de ter um app de tradutor, uma pessoa usará justamente o Meta AI. Sendo bem sucedido, é mais um passo para tornar o uso do WhatsApp ainda mais recorrente.
A construção de apps dentro do WhatsApp
No fim do dia, o sucesso de qualquer empresa pode ser reduzido a capacidade de deixar seus clientes felizes. Não sei se você já teve acesso, mas abaixo coloco o pitch da primeira rodada do Nubank, que na época era chamado de EOS. O Nubank foi um banco mobile first, mas, adivinha só, no pitch não havia uma referência "a mobile first bank". No slide 2, o propósito é claro: construir um banco customer centric no Brasil.
Acabou que a plataforma Mobile era perfeita para criar algo customer centric naquele momento, afinal, por meio dela seria possível uma nova experiência sem necessidade de agência física e com melhor experiência de uso. O Mobile se provou como a plataforma ideal para este objetivo e podemos concluir que a escolha de plataforma é uma derivada da decisão ótima para o cliente.
O que está acontecendo hoje é que muitos empreendedores constroem produtos cuja experiência do usuário é melhor através do WhatsApp, por isso, estamos vendo uma geração de soluções WhatsApp First.
Empreendedores estão reinventando produtos tradicionais ao integrarem suas soluções diretamente ao aplicativo. Um exemplo é a Safar Astrologia que envia previsões personalizadas diárias para seus usuários via WhatsApp/Mobile Based, criando uma experiência mais fluida e personalizada do que plataformas web/mobile-based. Essa abordagem de 'WhatsApp First' se aplica a diversos setores, como educação, finanças e saúde, onde ferramentas como ChatClass (educação), Magie (banco digital), Felix Pago (remessas internacionais), Beconfident (ensino de inglês), Benvo (saúde) estão oferecendo soluções simplificadas e altamente eficazes diretamente na plataforma.
O sucesso e a agilidade de crescimento desses negócios expõe uma alta demanda e satisfação dos usuários.
A oportunidade da América Latina
Israel se tornou um laboratório de inovação em cibersegurança devido ao seu contexto geopolítico. Cercado por instabilidades regionais e ameaças constantes, o país teve que desenvolver soluções de defesa cibernética de ponta para garantir sua segurança. Essa pressão contínua levou Israel a estar sempre na fronteira da tecnologia, testando e aprimorando sistemas em situações reais e de alta pressão.
Esse ambiente deu origem a algumas das maiores empresas globais de cibersegurança, como Check Point, Palo Alto Networks e Cybereason, que inicialmente resolveram problemas locais, mas logo perceberam que suas soluções tinham aplicação global.
De maneira similar, o Brasil e outros países da América Latina, com sua intensa utilização do WhatsApp, estão se tornando laboratórios para soluções inovadoras baseadas na plataforma. À medida que o WhatsApp é adotado de forma mais ampla em outros mercados, as startups latino-americanas, já maduras nesse ecossistema, estão prontas para escalar globalmente, assim como as empresas israelenses fizeram na cibersegurança.
Já vemos indícios dessa expansão do WhatsApp: a Índia tem 536 milhões de usuários ativos, com 55% de participação de mercado, e nos Estados Unidos, mais de 100 milhões de pessoas usam o WhatsApp, com 42% de market share. À medida que o WhatsApp é popularizado em outras regiões, a América Latina estará na vanguarda.
Como costuma dizer Martin Escobari, no Brasil temos o privilégio de "ler o jornal do amanhã" ao observar mercados como o dos EUA. Nesse caso, quem quiser entender o futuro da inovação no WhatsApp, terá que olhar para o Brasil.
Para não dizer que só falei das flores
Se você trabalha em tecnologia, você deve ter ouvido falar de "ChatGPT Wrappers". Elas são soluções customizadas e feitas especificamente para um time de usuário construído em cima de modelos GPT do OpenAI.
Em entrevista, Sam Altman usou um tom ameaçador para startups cuja principal proposta de valor e defensibilidade é ter um "backend" com OpenAI. Nas suas palavras e em tradução livre, ele disse: OpenAI vai te atropelar se sua startup for apenas uma camada em cima do GPT-4
Esse exemplo ilustra a complexidade de se depender de grandes plataformas: o equilíbrio de poder é desigual e qualquer mudança pode impactar profundamente os negócios construídos sobre elas.
A mesma lógica se aplica ao WhatsApp: mudanças na precificação, na abertura de APIs ou na privacidade afetam diretamente as empresas que dependem da plataforma como base de seus produtos, representando sempre um risco. Se o congresso brasileiro de LGPD decidir que somente os dados XYZ podem ser compartilhados no WhatsApp, toda a cadeia será afetada. Logo, sempre há um risco.
Da perspectiva positiva, o WhatsApp é um bom parceiro para empreender: ele faz com que qualquer empresa possa testar diferentes modelos de negócios - você não precisa ter nada comitado em app stores. Além disso, a Meta tem uma postura pró plataforma no que se refere ao WhatsApp.
No futuro, à medida que o WhatsApp torna-se uma plataforma ainda mais global, o Brasil e a América Latina estarão na linha de frente da inovação. A trajetória que já começamos a trilhar servirá como exemplo para o mundo.
O que impressiona é o alto valor gerado para o usuário e como nós, latinos, somos a linha de frente dessa revolução. As startups da região estão prontas para escalar globalmente à medida que a plataforma cresce em outros mercados.
Quem quiser entender o futuro das soluções no WhatsApp deve prestar atenção para a América Latina.
Obrigado a Amaral Medeiros, Júlia Garcia e Victoria Bertasoli pela contribuição ao artigo!
Referências para quem quiser aprofundar:
Building on WhatsApp: The Next App Platform
WhatsApp: Meta's Next Growth Engine
Roberto Oliveira - Sunday Drops Podcast
Mark Zuckerberg announced new features and enhancements for Meta AI on WhatsApp
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