A aposta de US$ 20 bilhões da Adobe na Figma
Refletindo sobre a aquisição de tecnologia com maior prêmio da história
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Olá pessoal,
eu até avisei publicamente que iria escrever sobre o futuro do venture capital (será o tema do próximo domingo), mas resolvi adiar pois essa compra da Figma foi tão relevante que precisei refletir sobre ela.
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A aposta de US$ 20 bilhões da Adobe na Figma
Se formos entender apenas com números, parece uma insanidade: O ARR (receita recorrente anual) da Figma será de US$ 400M no final de 2022, o que significa que a Adobe pagou um múltiplo de 55x, sendo a mediana do múltiplo de receita SaaS no mercado público americano é de 6.3x1. Para adicionar a essa salada, a Adobe não está tão rica assim: sua reserva em dinheiro é de ~ US$ 5 bilhões2, o que é bem inferior ao montante da transação. O mercado recebeu mal essa compra e apenas no primeiro dia o valor de mercado da Adobe caiu 18%, gerando uma perda de US$ 29 bilhões.
Dito isso, se tivermos apenas uma perspectiva quantitativa, é uma loucura.
Mas te convido a irmos além juntos e refletirmos, o que a Adobe está conseguindo e o que eles estão pensando ao fazer tal investimento?
A Adobe está comprando uma solução baseada na internet (web-based) para design, usada principalmente para software. A Adobe foi uma das primeiras empresas de internet, com software datado lá para os anos 80. Ou seja, ela viveu um ciclo no qual boa parte dos designers eram focados no mundo físico até uma era, que estamos hoje, no qual o output final é um produto digital. O produto da Adobe prosperou sendo Desktop-based.
Figma nasceu em 2012, sendo web-based e digital desde o primeiro dia. E isso tem um impacto profundo no produto da empresa.
Softwares tools são organizational tools. Como uma organização vive, atua, pensa depende da ferramenta que ela está utilizando para desenvolver produto. Vou dar um exemplo: Para apresentações, considero powerpoint uma ferramenta razoável e melhor do que Google Slides. Só que o problema é powerpoint é desktop based e sua experiência ao colaborar com outras pessoas da equipe é muito pior do que quando uso Google Slides. Usar Powerpoint ou Google slides nesse exemplo bobo já nos diz como uma organização pensa.
Para o mundo ágil como o de hoje, a colaboração é essencial e Figma já nasceu com a missão de ser a plataforma no qual designers conseguem co-construir e trabalhar de forma sincrona com outras pessoas da equipe, o que não era possível com Adobe (até a criação do Adobe Creative Cloud que é pior que Figma).
O benefício da colaboração para agilidade é que torna o feedback loop muito menor, a comunicação muito mais fluida (especialmente no mundo remoto) e por fim, a empresa muito mais ágil. Isso se intensifica com a cultura do mundo digital, no qual produtos são lançados e são constantemente editados ao longo do caminho, diferente da cultura de lançamento do passado.
Dito isso, Figma foi criado especificamente para organizações ágeis que precisam construir produtos de forma rápida. Ao invés de seguir o fluxo de "envio de files", (e aquele eterno arquivo v1, v2, v3, vInfinito), a colaboração ocorre diretamente na plataforma web. Outro ponto interessante é que a comunicação acontece diretamente via plataforma ao invés de usar outra solução de comunicação entre designers, PMs, devs, o que é ainda mais forte para o momento de pandemia no qual a comunicação online se tornou padrão.
Bom, dito isso, a Adobe, por mais que tenha criado produtos fantásticos historicamente não conseguiu criar produtos com entrega de valor a altura da Figma para necessidade atuais dos designers, pois a colaboração é a feature mais importante no mundo de hoje. No mundo de hoje, quando a agilidade é mandatório para sobrevivência de qualquer empresa e só vai se tornar mais relevante, podemos estimar que o futuro é muito mais Figmês do que Adobês.
Você pode estar se perguntando: Mas por que Adobe não usa uma parte dos seus US$ 6 bilhões de caixa para investir em P&D e criar de fato um produto a altura da Figma? Essa resposta é dificil, mas vou me arriscar partindo de algumas hipóteses:
(i) Adobe não conseguiu (e conseguiria) replicar devido a complexidade técnica.
É muito mais dificil construir um produto sob um arquitetura legada, com mais de 30 anos, com provável alto grau de dívida técnica e no qual o foco do produto é otimização para o uso individual do profissional e não colaborativo. Há uma complexidade técnica gigante ao ter um produto "desktop-based" que está no servidor do computador do usuário para um produto que qualquer um consegue editar a qualquer momento (web-based)e que automaticamente vai ser atualizado em todos os servidores dos computadores. Até por isso a experiência do Photoshop que é desktop based que tem algumas features cloud é ruim.
Nessa thread, esse founder que teve sua startup comprada pela Microsoft para tornar o PowerPoint mais colaborativo explica detalhadamente os desafios de tornar um produto desktop based em colaborativo:
(ii) Além disso, há o clássico dilema da inovação descrito por Clayton Christenseen.
A medida que uma empresa amadurece, a sua base de investidores se transforma de "Growth Investors" para "Value Shareholders", que priorizam free cash flow, lucro ao invés da inovação, o que torna os incentivos desalinhados para grandes inovações.
(iii) Defensibilidades (moats) da Figma.
Eles tem dois moats poderosos: a) Alto custo de troca: a medida que designers usam mais o figma, além de se tornar mais melhores, eles passam a salvar seus trabalhos, icons, templates que os fazem serem mais fieis a plataforma. Mover se para outra plataforma exigiria um custo alto de tempo e produtividade.
b) Efeito de rede. Há três efeitos de rede relevantes na Figma: i) dentro dos próprios usuários. Plataforma é mais relevante à medida que outros profissionais usam. ii) Dentre diferentes perfis de usuários. O produto da Figma não é só usado por designers, mas por praticamente todos os envolvidos no produto digital, como PMs, Devs, Engenheiros.
ii) Plataforma. Ao longo do tempo, a empresa criou um marketplace de "plug-ins", que abre para terceiros oferecerem soluções, o que torna o valor mais relevante para os usuários finais que podem trazer integrações de outros serviços.
Discutindo com o Martino Bagni, CCDO da Docebo (Empresa de Educação com capital aberto na NASDAQ), ele trouxe uma analogia certeira:
A figma será para Adobe o que Instagram foi para Facebook
Imagina se o Facebook não comprasse o instagram: provavelmente ao longo do tempo, usuários do Facebook iriam churnar para o Instagram. É um movimento de defesa. No caso da Adobe, é fato que os churns iam se tornar mais relevantes diante da melhor proposta de valor da Figma e que também o mercado endereçável de clientes iria diminuir ao longo do tempo. Ou seja, sob essa visão, o que a Adobe fez, sob um custo absurdamente alto, foi ter mais uma opcionalidade para ser um empresa que vai sobreviver a um novo ciclo digital, de produtos ainda mais rápidos e digitais. Foi uma forma de defender a sua gigante US$ 11.3 bilhões de receitas anuais, além de aumentar a sua receita por meio do potencial de cross sell (como eles deixaram claro no racional da compra).
Uma das perguntas mais importantes na minha opinião é: o que aconteceria se a adobe não comprasse a figma?
(i) Figma ia continuar a crescer de forma independente e roubar clientes da Adobe, reduzindo assim as receitas futuras da Adobe e aumentando o seu churn. Além do risco da empresa criar outros produtos que compitam com outras soluções da Adobe.
(ii) Microsoft provavelmente iria comprar a Figma e traria um risco ainda maior de ofertar dentro do seu bundle de ofertas para enterprises a solução da Figma, tirando espaço para Adobe vender sua solução para designers .Isso provocaria um risco ainda maior para a empresa
Foi muito caro sim, mas o papel de um CEO é garantir que em 2,5,10 anos a empresa ainda seja relevante. É o prêmio mais caro da história das transações em tecnologia, mas me parece que Adobe comprou um bote salva vidas para possivelmente continuar a ser a principal empresa de design para os próximos 10, 20 anos. Foi um dos movimentos mais inovadores que vi de empresas públicas, principalmente hoje que a narrativa do "growth", inovação está perdendo força para a do "value".
Só o tempo dirá, e como já disse, tudo que parece loucura é um pouco visionário e tudo que é visionário, tem um pouco de loucura. Me parece uma baita aposta.
Mais alguns comentários sobre esse caso e a jornada da Figma que valem a reflexão:
Colaboração é uma feature necessária para o futuro do SaaS
Ferramentas de software com colaboração estão eating old softwares.
No mundo de hoje, digital, ágil, uma empresa é tão boa e pensa tão bem quanto o que ela usa de software. Por complexidades tecnicas, culturais e organizacionais, incumbentes não conseguem muitas vezes inovar nesse sentido.
Outro ponto curioso é como a comunicação funciona dentro da Figma. File-based-products precisam de um layer de comunicação acima da solução. Tipo, imagine um CRM: Você tem lá os deals de vendas, mas muitas vezes não é possível se comunicar diretamente de forma fluída pela ferramenta para discuti-los e fazer comentários (não acontece muito assim). Assim, a comunicação precisa se mover para outro lugar (slack, MS Teams e principalmente whatsapp) e o sistema como um todo tende a ser sub-ótimo ou disfuncional. Ferramentas que a comunicação tem incentivos para acontecer dentro do seu próprio ambiente tendem a ser melhores. (Até por isso que a Salesforce pagou US$ 28 bilhões no Slack).
Inovação disruptiva e demora no Product Market Fit
De 2012 a 2016, foi um período de discovery. O product market fit só veio em 2017, que são 5 anos depois. A história da Figma expõe expõe que a criação de produtos disruptores demoram mais.
Isso me traz a reflexão sobre o mercado brasileiro de Venture Capital. Por termos menos capital e menos capital humano para inovações disruptivas, nossa indústria de capital de risco também não está tão disposta a fazer esses tipo de investimento. No caso da Figma, em 2015, antes da monetização, a Greylock investiu US$ 15MM. Difícil lembrar casos semelhante na América Latina, talvez só do Fundo Pitanga quando investiu na Satellogic algumas vezes sem receita devido ao potencial da oportunidade e disrupção tecnológica.
Lei da exponencialidade:
A história da Figma prova que as startups estão sujeitas as leis da exponecialidade.
Como David Sacks mencionou, esse gráfico acima tem duas lições:
a) Late boomers podem ter sucesso. Founders não devem desistir.
b) Mercado de VC é altamente responsivo e sempre um pouco a frente da curva.
Significado para o mercado
Um M&A nessa relevância sob um múltiplo de 50x significa que voltamos ao Bull Market?
Não me parece, assim, nem para Tom Tunguz.
Como explica o investidor, M&As em tech em 2022 até então estão por volta de US$7b, umas 9x menores que os US$ 71b de 2021. Os múltiplos na mediana estão na casa de 6-7x ARR. Uma única aquisição, num evento tão especial quanto esse, não indica que estamos voltando aos antigos patamares.
De qualquer forma, é uma boa notícia para o mercado que há apetite de incumbentes para deals estratégicos.
Velocidade de crescimento
David Sacks compartilhou no All in Pod uma estimativa de crescimento da Figma:
Após o produto estar oficialmente sendo comercializado, a empresa teve desempenho acima do 3x3x2x2x2x, tradicionalmente almejado por SaaS.
Velocidade de crescimento é correlato com um múltiplo alto.
E se você quiser se aprofundar sobre os aprendizados em Produto, Go-To-Market e estratégia desse case, recomendo ler: Why Figma Wins
Vocês irão perceber que no texto de hoje adotei um pouco mais de "free-flow" na escrita. Peço perdão por typos, mas o foco é na ideia e na reflexão.
Até próximo domingo,
Lucas Abreu
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