Bem vindo ao Sunday Drops, uma newsletter dominical sobre tecnologia, startups e futuro.
22/Set - #106
Uma tradição anual do mercado de tecnologia na América Latina é o Latin America Digital Report, organizado pelo fundo Atlantico. Como sou um grande fã de pesquisas proprietárias e profundas, venho cobrindo o relatório anualmente desde o nascimento desta newsletter e usando como referência em diversos artigos.
Em 2024, tenho a oportunidade de fazer algo diferente: tive acesso privilegiado e pude fazer uma entrevista com o Julio Vasconcellos e Ana Martins, sócios do Atlantico, sobre o relatório.
A entrevista está no Sunday Drops Podcast, e você pode acessá-la aqui:
Escute no Spotify, Youtube ou Apple Podcast.
Eu recomendo a leitura intencional e completa do report. Você pode encontrar o artigo clicando aqui.
Para começar este artigo, vou trazer alguns dos principais findings do estudo na minha percepção:
TL,DR:
A dinâmica de mercado da América Latina gera maiores barreiras de entrada.
A América Latina é a região mais desigual do mundo, e isso representa vários mercados em cada país.
Assim como a MAG-7 desponta no mercado tech americano, na LatAm temos um triunvirato de empresas tech que jogam um jogo diferente: Nubank, iFood e Mercado Livre.
A inovação de inteligência artificial na LatAm ocorre na camada de "AI-Enabler", e não na "AI-Centric".
O Brasil é referência em monetização de influência digital, tanto via anúncios quanto via produtos digitais.
WhatsApp Factor: lideramos não só o uso entre pessoas, mas também entre empresas e pessoas, representando, só no Brasil, 40% da receita do WhatsApp Business.
O sentimento de founders e investidores é mais otimista do que no ano passado, mas ainda é bem mediano.
Se você ganha no mercado brasileiro, você ganha de verdade:
Tão importante quanto a estrutura do mercado, é a dinâmica dele. Via de regra, na América Latina há três grandes dificuldades, que são listadas no report: acessar capital, acessar talento e lidar com a burocracia. Se uma empresa conseguir lidar com esses 3 problemas, o seu moat será maior do que os outros mercados. A concentração de poder econômico das principais empresas da região são maiores do que em outras, como podemos ver abaixo:
Isso explica a concentração de market share e lucratividade no mercado brasileiro. Como apontado abaixo, em termos de ROE e ROIC em indústrias importantes como a bancária, seguradoras, telecom, e óleo & gás, as empresas brasileiras e mexicanas performam melhor do que as americanas.
Um dos resultados desse insight é que a estrutura de mercado, muitas vezes, importa do que o próprio tamanho de mercado para a criação de grandes empresas.
Desigualdade e os diferentes países em cada país
A América Latina é uma das regiões mais desiguais do mundo. Em termos de GDP, o top-10% têm renda equivalente ao Reino Unido e o "bottom-25%" equivalente a Nigéria. Esse nível de discrepância faz com que fenômenos quase que opostos aconteçam e os debates e prioridades são quase que antagônicos. Posso expandir sobre um exemplo referente a cultura da educação financeira: enquanto existe o debate sobre "conflito de interesses" de assessores de investimento das classes altas, do outro lado temos uma parte da população se perdendo em jogo do tigrinho e apostas. São problemas tão opostos que acontecem somente em regiões desiguais como a nossa.
No Brasil, o top 1% da população representa mais de 19% do PIB do país.
O triunvirato
A NASDAQ cada vez mais se divide em dois tipos de empresas de tecnologia: as 7 Magníficas e as empresas que não fazem parte desse grupo. A forma como o mercado avalia, prioriza e enxerga a importância dessas empresas é completamente diferente. Por conta disso, ¾ da capitalização de mercado de tecnologia está concentrada em apenas 7 ações: Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet, Meta, Nvidia e Tesla. Essas gigantes não só dominam o mercado em termos de valor, mas também estabelecem tendências que influenciam o setor como um todo.
Na América Latina, três empresas se destacam como benchmarks globais e lideram indústrias relevantes: Nubank, iFood e Mercado Livre. Elas têm conseguido inovar e se posicionar como referências em seus respectivos setores, competindo com players globais e definindo o ritmo do mercado na região. São 3 empresas que solucionaram os 3 desafios: Talento, Capital e Regulação.
Como disse o Julio no sunday drops podcast:
A gente está conseguindo construir algumas das melhores empresas de tecnologia do mundo inteiro. Então não é que o Nubank é o melhor banco do Brasil, é o melhor e maior banco digital do mundo. Não é que o iFood é uma empresa de delivery que ganhou no Brasil, é que é talvez a melhor empresa de delivery do mundo inteiro. Se você olha crescimento, se você olha penetração, se você olha rentabilidade, por aí vai. A gente tem essa capacidade de criar grandes empresas em escala global.
Inteligência Artificial
AI "enabler" significa startups que usam AI para melhorar ou otimizar seus produtos, serviços e processos. AI "centric" são startups cuja tecnologia é o centro do negócio.
Na América Latina, geralmente não somos produtores de tecnologia profunda. Em geral, AI será uma força empoderadora para que empresas construam melhores produtos, mas a base, a fundação, os modelos, isto tende a ficar com as empresas de fora, salvo algumas exceções. Isto fica claro no gráfico abaixo dos fellowships da Latitud, no qual grande parte são de empresas "AI enabled".
Esse ponto conversa sobre como os founders estão usando AI hoje e o foco é eficiência, com destaque a melhoria de engenharia de software, criação de conteúdo e atendimento ao cliente.
Redes sociais
O casamento perfeito, por bem ou por mal, é entre latinos e as redes sociais. O brasileiro gasta 3.6 horas por dia na rede social, o que é quase meio turno de trabalho (!!!). Mais do que em qualquer outro lugar do mundo, somos consumidores assíduos e influenciados tanto na vida quanto nos hábitos de consumo. Costumo dizer que a creators economy é um dos poucos mercados nos quais somos referência, quase que por força bruta, uma vez que a vida do brasileiro se explica em parte por esse hábito. O gasto com propaganda feita por influenciadores, em termos percentuais, é mais de duas vezes maior do que nos Estados Unidos, e mais de 20,3 milhões de produtos digitais (cursos, mentorias, e-books, videoaulas) foram vendidos em 2022. O criador brasileiro monetiza de duas formas: por meio de propaganda e também através de produtos educacionais. Para criadores de nicho, produtos digitais são a maior fonte de receita.
Hotmart é o maior exemplo dessa trend: uma empresa brasileira que está liderando essa revolução globalmente.
WhatsApp Factor
É chover no molhado falar da importância do WhatsApp no Brasil. A penetração do mesmo é de 92% entre a população. Um ponto curioso abordado no relatório é o WhatsApp Business: 40% da receita dessa linha vem do Brasil, o que mostra o quanto a comunicação, até de empresas para pessoas, é feita através do WhatsApp no país.
95% das empresas brasileiras utilizam WhatsApp para contactar clientes.
WhatsApp é uma plataforma onde negócios estão sendo criados a partir dele. É o caso da Félix (transferências internacionais) e Magie (conta bancária inteligente no WhatsApp)
O mercado de VC
Estamos retornando ao patamar pré-2019. No primeiro semestre de 2024, US$ 1.8bn foram investidos na região.
Sentimento dos fundadores
Tanto os fundadores quanto investidores acreditam que os próximos 2 anos, em termos de financiamento, será bem medíocre. Subiu em relação ao ano passado (de 5.3 para 6.3), mas ainda assim, é uma nota que "passa" de ano. A onda AI que aconteceu no mundo não mudou o humor.
Tem dois pontos interessantes sobre sentimento dos founders em relação a contratações:
a) Está mais fácil contratar
b) Colaboradores tem pedido salários maiores em detrimento de stock option, o que nos indica que o equity tem sido menos valorizado, o que talvez seja resultado de muitos colaboradores que se frustraram nos últimos anos. De um lado, é triste, pois diminui o senso de dono e ownsership.
Esses são insights a partir de 16 slides que selecionei insights. No report são 187, então te recomendo a leitura dele. Além disso, assista ao episódio especial do podcast com o Atlantico.
Obrigado Atlantico pela oportunidade.
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