O artigo de hoje foi uma sessão do whitepaper escrito em conjunto pela Astella & Hix sobre marketplaces1. A parte que retrato aqui é sobre as características de sucesso de um marketplace, que foi justamente a que tive maior participação na concepção e escrita.
Ressalto que foi um trabalho em conjunto e é sempre prazeroso construir com pessoas tão competentes. Agradecimento especial ao time da Hix Capital, representado por Igor Strobilius, Matheus Moura, Pedro Cury, Ana Paula Lopes e Rodrigo Heilberg e também aos meus companheiros de Astella Guilherme Lima e Daniel Chalfon.
Ingredientes / características para um marketplace de sucesso
Tentamos juntar as características, ou ingredientes, que são necessários para o sucesso de um marketplace. Vemos “sucesso” como a habilidade de gerar liquidez e tráfego, atingir uma massa crítica e, exponencialmente, melhorar a equação LTV / CAC da plataforma, ou seja, atingir a maturidade e gerar efeitos de rede relevantes dentro da plataforma.
Marketplaces são contínuos trade-offs, então aqui são mais reflexões do que propriamente um checklist.
#1 ALTA FRAGMENTAÇÃO DE OFERTA E DEMANDA
Para qualquer marketplace, quanto mais fragmentado são os vendedores e consumidores, mais alta a probabilidade de gerar valor ao ecossistema. Se a oferta ou a demanda tiver uma alta concentração, os vendedores e consumidores terão o poder de barganhar/negociar; e, eventualmente, o take rate poderá ser reduzido. Uma base concentrada de fornecedores ou compradores será relutante em permitir um novo intermediário, uma vez que representa perda de margens e de controle sobre o cliente final.
Um dos cases que melhor exemplifica essa distinção é provavelmente a Expedia, que vende tanto reservas em hotéis quanto passagens aéreas. Como sabemos, o
mercado de viagens aéreas é altamente concentrado e competitivo; e, como consequência, o take rate da Expedia no segmento é de apenas 4%, enquanto, no caso dos hotéis, em que a oferta é ampla e fragmentada, o take rate é em
média de 15%2.
#2 CARACTERÍSTICA DE OFERTA
As dinâmicas de um marketplace são ditadas pela homogeneidade (ou unicidade), ou pela heterogeneidade de sua oferta. A unicidade de oferta diz respeito a produtos com natureza padrão (commodities); e a heterogeneidade, por sua vez, representa produtos ou serviços que entregam proposta de valor diferente ao cliente final.
Ambos os modelos têm benefícios e malefícios. No caso da heterogeneidade, a criação de uma barreira de entrada maior é um grande benefício: é muito mais desafiador replicar a oferta de produtos ou serviços. De modo distinto, também se gera maior dificuldade de gerenciar o estoque; ou pode ainda gerar dúvidas para um cliente e diminuir a velocidade de conversão, dado que há muitas opções e propostas de valores diferentes para escolher.
Marketplaces heterogêneos normalmente são marketplaces de pesquisa, em que os usuários são responsáveis por encontrar o produto que desejam. O desafio é encontrar a melhor forma de ajudar o cliente a fazer a melhor escolha. Airbnb, por exemplo, oferece uma oferta heterogênea, isto é, cada listagem é única. Com isso, o
Airbnb criou uma oferta única, difícil de replicar, que se tornou uma vantagem competitiva para ele. Ainda, a plataforma utiliza estratégias para melhorar a fricção na busca e na escolha do produto e/ou serviço pelo cliente, tais como:
(i) utilização de filtros, para a plataforma sugerir opções mais precisas; e (ii) ajuste da pesquisa, para esta se alinhar ao perfil do cliente.
O benefício da unicidade é que há uma baixa dificuldade para os clientes escolherem, criando uma experiência transacional simples e mais fácil de se escalar. De modo oposto, uma oferta commoditizada é mais fácil de ser replicada. Há uma barreira de entrada baixa para que consumidores troquem a plataforma por uma plataforma substituta, o que pode ocasionar uma compressão de retornos da plataforma. Os marketplaces com esta característica podem ser descritos como marketplaces de conexão, em que os usuários não se importam com quem irá prover a oferta, desde que esteja no padrão do esperado pela plataforma.
Um marketplace heterogêneo se tornará mais valioso, isto é, mais difícil de ser replicado, à medida que o sortimento de SKUs aumenta na plataforma, contanto que as ferramentas de filtro e pesquisas sejam robustas o suficiente para não alterar a taxa de conversão da venda do produto e/ou serviço. Quanto mais a plataforma consegue unir uma oferta diferenciada com efeitos de rede da geração de oferta
global, maior a proposta de valor aos usuários e mais defensível se torna o negócio, ou seja, fica cada vez mais difícil um competidor replicar a plataforma. O gráfico abaixo da Version One VC16 consegue exemplificar bem a defensibilidade de grandes plataformas norte-americanas, de acordo com sua diferenciação e geração global de oferta.
#3 TAMANHO E FREQUÊNCIA DAS TRANSAÇÕES
Uma maior frequência de transações é sinal de que a plataforma digital detém stickiness, isto é, a proposta de valor é aderente com as necessidades dos usuários finais. A partir do momento em que uma plataforma faz parte constante da rotina de pessoas ou empresas, sua proposta de valor tende a ser mais forte.
O ticket médio ou AoV, “Average Order Value”, representa o tamanho da transação por cliente. O AoV pode ser impulsionado tanto pela venda de produtos e de serviços
de alto valor agregado, como carros ou imóveis, quanto por um alto número de itens em uma mesma cesta. O último, no geral, muito presente em marketplaces horizontais, demonstra a capacidade de uma plataforma de realizar cross-sell. O sonho de todo marketplace é ter uma plataforma com alta frequência de uso, combinada com um alto ticket médio por transação.
Tentamos posicionar, no gráfico abaixo, alguns dos marketplaces que usamos como exemplo nesta carta.
#4 HIGH GROWTH – MOMENTUM
Uma característica comum em marketplaces de sucesso é o crescimento contínuo, uma vez que o efeito de rede impulsiona a adição de usuários, tanto vendedores quanto compradores. A forma mais simples de olhar o momentum é através do crescimento de GMV e Receita Líquida (GMV x Take Rate) históricas. Contudo, esse crescimento tem de ser acompanhado por margem de contribuição atrativa e por unit economics sustentáveis no longo prazo.
À medida que a plataforma ganha relevância, outro indicador importante a ser monitorado é o market share, isto é, sua posição no mercado relativa tanto aos incumbentes, quanto aos novos entrantes, por região, vertical e produto.
#5 RELAÇÕES NÃO MONOGÂMICAS
Nos mercados em que os consumidores são leais e usam o mesmo fornecedor constantemente, o valor do marketplaces é reduzido e gera um maior risco de leakage, isto é, transações fora da plataforma, quando a demanda encontra a oferta ideal. Isso é mais comum em plataformas de conexão em serviços que exigem alto nível de confiança, como diaristas, médicos e babysitters. Aqui, a partir do
momento em que o usuário encontrou um provedor de serviço de confiança, ele prefere manter essa relação monogâmica, gerando logo baixo incentivo para reutilizar a plataforma.
#6 EFEITO DE REDE
Efeito de rede é o resultado que a quantidade de usuários tem sobre o valor de um bem ou serviço. Em outras palavras, quando o efeito de rede está presente, o benefício de um produto ou serviço aumenta conforme o número de usuários também aumenta.
Ele talvez seja o principal tema de construção de barreiras de entrada e de vantagens competitivas em um marketplace. Isso é obtido pela criação de um ciclo virtuoso benéfico para todos os stakeholders: quanto mais usuários entram na plataforma, mais atrativa ela é para os outros usuários (vendedores e compradores), o que gera mais benefícios para o ecossistema e, assim, se torna ainda mais interessante para que novos usuários acessem a plataforma.
#7 RETENÇÃO E ENGAJAMENTO
Marketplaces com altas taxas de retenção, com alto índice de satisfação e encantamento dos clientes são plataformas que normalmente também contam com
maior frequencia dos clientes. Análise de cohorts mostra a atividade dos consumidores adquiridos em um específico intervalo de tempo (safras de clientes), sendo as principais métricas analisadas: receitas, margem bruta ou de contribuição e número de pedidos. O ideal é que cohorts recentes sejam tão ou mais fortes que os antigos.
O NPS (“Net Promoter Score”) e as avaliações dos usuários são importantes para determinar se: 1 os usuários estão satisfeitos com a experiência de uso e, portanto,
se pretendem realizar novas compras na plataforma; e 2 os usuários irão recomendar a plataforma para terceiros, gerando um ciclo virtuoso. Além disso, as avaliações dos
sellers são importantes, pois indicam se estes buscarão outra plataforma no futuro ou não. Ainda, em mercados com alto ticket médio, as transações não ocorrem imediatamente; e mensagens entre buyers e sellers podem impulsionar o engajamento na plataforma, aumentando a retenção e potencial de monetização do usuário.
Sintetizando a análise de um marketplace
É preciso entender a fragmentação da oferta e demanda;
Se é um marketplace de conexão ou de pesquisa de acordo com a sua oferta;
Qual o tamanho e frequência das transações;
Analisar a tração (seja de receita, novos usuários, GMV) ;
Se o matching tende a ser monogâmico ou não;
Ponderar a força do efeito de rede;
Entender o nível de retenção e felicidade dos usuários;
Recomendo ler a carta completa 👉 Hix Capital - Carta de Junho 2021
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Marketplace Take Rate Factors - Tanay