Em busca de tartarugas
A defensibilidade de startups com efeito de rede
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Tartarugas são animais mal compreendidos.
A sociedade tende a enxergar essa espécie como frágil , mas ela é uma das criaturas mais longevas e fortes dentre os seres vivos.
Essa longevidade decorre dos seus aguçados graus de defesa.
O mercado de startups é fascinado por analogias animalescas. Temos a figura dos unicórnios: startups que crescem veementemente e atingem US$ 1 bilhão de dólares em valuation. Há também os camelos: empresas tecnológicas e inovadoras que crescem priorizando a sustentabilidade e eficiência sobre o crescimento, podendo sobreviver mesmo em situações desfavoráveis.
Para completar esse zoológico, convoco a figura de um novo tipo de startup: as tartarugas. Esse termo, culminado por Josh Breinlinger da Turtle Ventures1, aborda empresas com altíssimo mecanismo de defesa que as permitem ter uma vida muito longa. De todas as defesas, uma delas se sobressai no mundo digital: o efeito de rede.
De todas as variáveis por trás das principais empresas de tecnologia do mundo como mercado, time de fundadores, produto, processos bem definidos, a mais correlacionada com grandiosidade é o efeito de rede. Segundo um estudo do fundo de venture capital NFX, 70% do valor gerado em tecnologia entre 1994 e 2017 foi resultante do efeito de rede2.
4 das principais empresas do mundo (Apple, Amazon, Google e Facebook) e a maior da América Latina (Mercado Livre) gozam do mesmo DNA: Todas são movidas a efeito de rede.
Esse fenômeno gera barreiras de entrada e vantagens competitivas ao criar um ciclo virtuoso: quanto mais usuários entram na plataforma, mais atrativa ela é para os outros usuários, o que gera mais benefícios para que novos usuários entrem e assim, ela se torna ainda mais forte.
À medida que mais usuários adentram em uma rede, mais forte ela fica. Isso torna muito difícil para um competidor atingir a massa crítica de usuários depois que a rede escala. O produto é a rede.
É por isso que empresas com efeito de rede relevante não tem competidores no mesmo nicho de mercado com tanto sucesso: Airbnb, Amazon, Uber, entre outros, vivem basicamente sob um monopólio na sua proposta de valor.
Efeito de rede pode vir de duas formas:
a) Mesmo lado - quando o valor da plataforma aumenta à medida que aumenta o número de usuários (exemplos: Zoom, Instagram, Pix)
b) Efeitos de lados cruzados - quando o valor da plataforma aumenta à medida que o outro perfil de usuários na plataforma aumenta também, como é o caso em marketplaces (exemplos: Uber, Enjoei, Mercado Livre)
O maior exemplo de defensibilidade do efeito de rede é a empresa Craigslist3. Ela é um grande classificado online que não atualiza o seu software há mais de 25 anos. Ela tem mais de 60 milhões de usuários que geram receita anual na faixa de 1 bilhão de dólares. Tudo isso com apenas 50 funcionários. Esses números magistrais decorrem da defensibilidade que o efeito de rede gerou na plataforma: os compradores e vendedores tem segurança que a liquidez da plataforma é alta o suficiente para se encontrarem e realizarem transações
Muitas vezes efeitos de rede são a avaliados de forma binária: ou a empresa tem ou não tem. Ele é subjetivo e no fim do dia é impossível mensurar ou até mesmo colocar em uma fórmula que se aplique a realidade de todas as empresas. Mesmo assim, existem variáveis que nos indicam o quão forte ou fraco esse efeito é.
Entender a sua força é essencial para compreender quais as barreiras de entrada que uma startup tem.
O fundo de Venture Capital A16z tem uma heurística interessante para compreender a força de um efeito de rede. Segundo o D'Arcy Coolican4, a principal pergunta para ele é:
"Imagine que um time super capacitado, com acesso ao capital, decide copiar a minha rede. O quanto de energia será necessário para alguém replicar a minha rede"
Agora, vamos imaginar um time super capacitado tentando:
Replicar a rede do Youtube, a rede do Uber em São Paulo e a rede de uma plataforma de delivery em um bairro de São Paulo:
Replicar uma plataforma de delivery num bairro de São Paulo é factível, precisando assim agregar a oferta e demanda de um bairro. As grandes plataformas de delivery são conjuntos gigantes de pequenas redes com um raio de 3km.
Replicar o Uber em São Paulo já é mais difícil, mas não impossível. Com capital abudante e um time competente seria possível agregar uma massa crítica de motoristas e usuários para o negócio ficar de pé em uma cidade. O Uber é um conjunto de redes com um raio do tamanho de cidades.
Replicar o YouTube é quase impossível, já que levaria bilhões de dólares para reproduzir a quantidade e diversidade de conteúdos oferecidos na plataforma. O YouTube é uma rede global.
Esses exemplos servem para balizar que o custo de recriar uma rede é uma boa heurística para pensar o quão forte é o seu efeito.
Efeito de rede é um assunto complexo que exige o entendimento sobre quais condições ele pode ser forte e duradouro. Mas isso fica para um próximo artigo.
Nessa vasta fauna das startups, o animal que mais me fascina é a tartaruga.
Ela será resiliente diante das crises, imponente perante seus competidores e principalmente, onipresente.
Empresas com fortes efeitos de redes serão duradouras e não só terão vantagens competitivas, como altas barreiras de entrada. No futuro, as maiores empresas de tecnologia serão movidas a esse fenômeno.
Se Venture Capital é um jogo de longo prazo, me resta encontrar as tartarugas da América Latina Brasil.
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Até próxima semana,
Lucas Abreu
https://www.turtlevc.co/
https://www.nfx.com/post/70-percent-value-network-effects/#:~:text=The%20short%20answer%3A%20over%20the,more%20than%20a%20%241%20billion.
