A realidade atual do mercado de Venture Capital e seus impactos no mundo das startups
Não é um inverno nuclear, mas uma frente fria resiliente.
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A realidade atual do mercado de Venture Capital e seus impactos no mundo das startups
Podemos concordar que não vivemos um inverno nuclear, mas uma frente fria que continua a incomodar a captação de rodadas de investimento para startups.
Com a incerteza macroeconômica global, o aumento da inflação e da taxa de juros, houve uma correção drástica de valuations das empresas públicas de tecnologia.
O mercado de Venture Capital não ficou imune aos impactos: há uma redução do volume de investimentos globais nessa classe de ativos, da quantidade de deals sendo feitos e do valuation das startups (especialmente no late-stage).
Como investidor, a minha grande dúvida é: onde estamos no ciclo? É o começo da “recessão”, o meio ou o fim dela? Este artigo é uma reflexão sobre cenário atual e possibilidades futuras.
Vale ressaltar que essas opiniões são minhas e não da gestora na qual trabalho. Minhas fontes são as minhas vivências, as diversas conversas de mercado com investidores e founders, os conteúdos que leio e a curiosidade que me envolve nesse mundo. Opiniões contrárias e debates são muito bem vindos.
Retomando as previsões de 2022
A partir do modelo mental da S-Curves, projetei 3 cenários de 2-3 anos:
Base: estávamos entrando na fase de desaceleração da curva.
Pessimista: havíamos atingido o pico em 2021 e iríamos decair.
Otimista: crescimento em relação aos anos anteriores.
No cenário pessimista, escrevi:
Pessimistic: An upcoming crisis or the uprise of interest rates will take venture capital money to other asset classes. In the medium/long term, money for startups will be more scarce in Brazil.
Neste cenário, que é o mais parecido com o que estamos vivendo, a diferença é que não previ um choque tão forte, como ocorreu. Acreditava que após o pico, ocorreria uma estabilização/redução marginal de volume investido.
A realidade, no entanto, é outra: estamos vivendo uma nova realidade em relação a 2021, e o volume de investimentos reduziu mais de 50% YoY.
Empreendedores adaptaram-se para um novo momento que, em suma, tem:
a) Valuations e tickets de investimentos menores
b) Menos opções de fundos (principalmente late stage)
c) Uma barra/diligência maior por parte dos fundos
d) Capital mais caro e demorado
e) Necessidade dos founders de alocar recursos internos (“use of proceeds") de forma mais eficiente dado o aumento do custo de capital e imprevisibilidade de novas captações.
O gráfico abaixo do relatório State of Venture Q3 do CB Insights expõe a retração do mercado global de VC:
Após cair 22% entre Q2/Q1 2022, o volume de investimento reduziu-se em 34% em Q3 2022 quando comparado com o trimestre anterior. Já a queda do número de deals é menor, na faixa de 10% QoQ.
Já a realidade da América Latina é de uma redução mais acentuada: a cada trimestre desde Q2 2021 perdemos em média US$1.6 bilhões em volume de Venture Capital. Enquanto que no total de investimentos o Q3 2022 foi 85% menor do que o pico (Q2 2022), o número de deals é 29% menor.
Assim como no cenário global, há menos deals no late stage e mega-rounds. Um dos fatores é a "saída" do Softbank, que praticamente parou de investir na região no momento. Interessante ressaltar que a “estabilização” do número de deals é um sinal de força do ecossistema, que tem continuado a financiar empresas nascentes.
Em termos de valuation, baseado no que tenho visto, estamos em média 30% menor no early stage do que 2021 em geral. O desvio padrão é alto e depende do contexto da oportunidade, principalmente no que tange a experiência do founder. De qualquer jeito, outliers como vimos no ano passado são mais raros.
Sobre os investimentos no late stage na América Latina, a realidade é que está bem devagar. Com a incerteza macroeconômica e falta de clareza sobre a taxa de juros, eles optaram por esperar pois grande parte dos empreendedores estão com expectativas descasadas da realidade corrente.
Mark Suster, da Upfront Ventures, captou essa perspectiva no seu artigo "What Does the Post Crash VC Market Look Like”?
We’re just not taking any meetings with companies who raised their last growth round in 2021 because we know there is still a mismatch of expectations. We’ll just wait until companies that last raised in 2019 or 2020 come to market.
Como disse Sergio Furió, founder da Creditas, para Reuters:
Startups that raised cash at peak valuation, for example last July last year, will have to accept a reduction [in valuation] if they need more money this year
Um dos aspectos positivos do Bull Market, que deixou de legado balanços fortes e conta bancárias gordas, é que uma parcela de empreendedores ganhou a opcionalidade de esperar antes de ir para o próximo fundraising. Eles ainda não precisam lidar diretamente com valuations atuais que o mercado tem imposto.
Uma referência sobre o nível de ajuste está nos dados de startups de real estate listadas nas bolsas americanas, cujo ajuste médio é de 85%.
Um caso emblemático é o da Opendoor, plataforma de compra e venda de imóveis americana. Ela faturou US$ 4.2 bilhões no Q2 2022, com lucro bruto de US$ 486 milhões e margem Ebitda de 5.2%. O seu crescimento em relação ao Q2 2021 é de impressionantes 250%.
Esses números, que seriam excelentes para companhias high growth nos últimos anos, não são tão valorizados hoje pelos investidores públicos, cujo olhar está priorizando a lucratividade.
Esse nível de reajuste afeta muito a precificação do late-stage.
Futuro
Nessa semana, Microsoft demitiu funcionários e as Big Techs indicam que até para elas, que desfrutam de uma máquina de fluxo de caixa, enxugar gastos está nos planos.
Isso é um sinal de contenção perante o que podemos viver nos próximos anos. Globalmente há uma ameaça séria de recessão, o que provocaria uma redução de consumo geral. O setor de tecnologia continuará a crescer, dada a tendência de digitalização, mas ainda sim haverá menos consumidores "willing” to buy, logo um menor mercado comprador e também menos poder de precificação para empresas tech.
O cenário base assumido por muitos economistas inteligentes é de que entraremos em recessão. Se será profunda ou não, é a grande dúvida que não me atreverei a emitir uma opinião.
O alento para nós, brasileiros e latino americanos, é que somos criados em recessões e por vezes, para o bem e para o mal, o Brasil é um pouco anti-cíclico.
Ainda assim, seja lá onde for, em um período de recessão, o jogo das startups se tornará mais complexo: vivemos nos últimos 2 anos devido ao COVID19 uma predisposição de todas as empresas em se digitalizar - o mantra era: quem não fizer o play de digitalização, perderá força competitiva. Em um período de recessão, o discurso se muda do "nice-to" para o "must-to". As empresas tenderão a só gastar dinheiro em soluções quando for algo que possa gerar valor monetário e "rápido”. É o famoso "move-the needle economy", no qual soluções realmente transformadoras são priorizadas. Com isso, valor de produto e claridade de outcomes será mandatório. O discurso será menos pautado em "se digitalize" para "eleve suas vendas em X%, reduza seus gastos em Y%, etc". Dito isso, o universo de empresas disponíveis para comprar soluções digitais será menor e o CAC tende a aumentar, o que exigirá estratégias de GTM mais eficientes e maior foco em expansão de LTV.
Mas macro não é tudo: tão importante quanto é considerar o aspecto micro nesta classe de ativos. Compreender o tipo de revolução micro que está acontecendo no mercado que a startup está empreendendo tende, por vezes, a refletir mais sobre o seu potencial. Por exemplo, o uso de Créditos de Carbono é uma tendência que acontecerá independente do cenário macroeconômico. O contexto global somente acelerará ou tornará a adoção um pouco menos rápida. Mas essa revolução continuará a acontecer. Diversos outros setores tech se enquadram na mesma revolução: Climate tech, BioTech, AI, Machine Learning, B2B Fintech, e por aí vai.
Meus 3 cenários previstos não mudaram muito desde o meu texto “A nova realidade do Venture Capital” de maio de 2022 e vou reproduzir eles abaixo:
Otimista: A inflação não mantém o ritmo de crescimento. Motivos: (i) resolução do conflito ucrânia-rússia gera redução do preço da energia, (ii) problemas no supply chain são resolvidos (iii) aumento da taxa de juros reduz significativamente a pressão inflacionária da demanda) e nesse caso os juros não continuam a subir e retomamos a algo parecido com o que vivemos de liquidez por ativos de tecnologia. Me parece um cenário improvável, porém possível.
Base: A inflação mantém o ritmo de crescimento, os juros sobem de forma veemente, há redução da liquidez e viveremos alguns anos de juros mais altos que diminuem o apetite por ativos de tecnologia com retornos no longo prazo. Me parece o cenário mais óbvio e provável.
Pessimista: A Guerra Ucraniana se torna maior, contagia o preço global das commodities que sobem ainda mais e aumentam a inflação. Outros desastres como defaults de uma grande economia endividada como Itália, Espanha poderiam gerar crises financeiras relevantes no mundo. Tudo isso leva juros a patamares altos históricos, que contaminam ainda mais o valor dos ativos em tech. Me parece muito improvável esse cenário.
Me parece que estamos vivendo algo entre o Base, mas com sinais positivos do Otimista (problema de supply chain foram amenizados), mas também do Pessimista (Guerra Ucraniana tem sido mais longa e gerando mais riscos globais do que o esperado).
A realidade e o otimismo de longo prazo
Howard Marks diz:
"We have to recognize the market for what it is, accept it, and act accordingly".
O intuito do artigo é tangiblizar o momento de mercado para uma melhor tomada de decisão estratégica, como faria Marks.
Posto esse cenários e reflexões do momento, ressalto que tech é uma tendência geracional. As startups que empreendem em mercados inevitáveis continuarão a ser investidas e atraindo muito interesse de VCs. Um exemplo são as empresas de Inteligência Artificial, que conforme relatou Eric Newcomer, levantaram rodadas pre-seed de US$ 100M nos Estados Unidos recentemente, lembrando o que vivemos nos anos anteriores.
Especialmente na América Latina, se fizemos um zoom out e olharmos as perspectivas, o futuro é promissor. Ainda estamos anos atrás em termos de adoção de tecnologia e captura de valor em relação a países desenvolvidos e também atrás inclusive de países emergentes como China e India. Enquanto que no Brasil o valor das empresas de tecnologia representam 3% no PIB, na India esse valor é de 15%, e na China, 20%.
No longo prazo, haverá um catch up e isso decorrerá do crescimento de startups investidas por fundos de tecnologia. O potencial de geração de valor no longo prazo é corroborado pelo slide abaixo do relatório Latin America Digital Report 2022 do fundo Atlântico:
Vale ressaltar que o anormal foi 2021 e em termos de evolução de investimento em Venture Capital, estamos pelo menos 6x maior do que fomos em 2018, apenas 4 anos atrás, com um potencial gigantesco a nossa frente.
Outro aspecto positivo é a reserva de Dry Powder. VCs conseguiram captar US$ 7B para América Latina desde 2019 segundo a LAVCA:
A beleza do Venture Capital é se permitir olhar no longo prazo e quais são as tendências neste sentido. A importância de refletirmos sobre o curto prazo e o cenário atual é tomarmos melhores decisões estratégicas, seja como fundadores ou investidores, sobre qual a alocação ótima de recursos e tempo pensando no longo prazo.
Que esta reflexão agregue a nós uma visibilidade de curto prazo para continuarmos a gerar valor no longo prazo.
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