"O que não mudará nos próximos 10 anos?"
- esta é a provocativa pergunta que Jeff Bezos frequentemente faz.
A resposta, quando se trata do sucesso de uma empresa, permanece ancorada em princÃpios sólidos: uma base de clientes fiéis, produtos de qualidade, estratégias de distribuição eficientes e, claro, uma equipe excepcional.
Para o sucesso de um fundo de investimento de tecnologia, a receita é: Um portfólio composto por empresas com bons produtos, que crescem recorrentemente, com retenção de clientes elevada, custos de aquisição equilibrados e um considerável potencial de exit.Â
Começo o artigo desta forma para dizer que se tem uma variável que mudará ano a ano será o de investimento em empresas de tecnologia. Um empreendedor, ou investidor, precisa lidar com diferentes marés, se alavancando sobre elas em alguns momentos e em outros, se resguardando contra a correnteza. Isto não deveria necessariamente impactar os principios de longo prazo de sucesso, ou fracasso.
O artigo de hoje visa refletir sobre o momento do mercado de VC na América Latina (review) e fazer considerações sobre o que virá em 2024 (o que vem por aÃ).Â
Não deverÃamos ficar tão animados nem tão desanimados quando algo externo como o humor dos VCs muda. Como diz Howard Marks, "devemos reconhecer o mercado como está, aceitar e agir de acordo".Â
Sem mais delongas, vamos ao artigo.
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O review:
O total de investimentos em 2023 na LatAm foi de US$3.4Bn, representando uma queda de 80% em relação ao pico em 2021.Â
Esta redução está alinhada à tendência global. O mercado americano apresentou o volume de investimento mais baixo em um trimestre dos últimos 7 anos. O mercado brasileiro voltou ao patamar de 2018. O ano foi de reconstrução.Â
Quando nos meus 5 anos de VC founders me perguntam se eles conseguirão captar uma nova rodada, eu sempre respondo que depende do Mr. Mercado. Esse senhorzinho à s vezes tem padrão, à s vezes não. Já o vi fazendo loucuras e também sendo sóbrio.Â
Em 2020-22, na era ZIRP (zero interest rate phenomenon), sua personalidade estava muito animada. Em 23, ele estava depressivo.Â
Em 24, ele me soa racional. Mais sóbrio. Ainda sofrerá muito, mas tá ciente disso.Â
A minha opinião pessoal é que esta volatilidade é uma feature, e não um bug. É uma oportunidade única de investir em empresas de qualidade que se tornarem resilientes no cenário adverso e de construir empresas em um cenário menos competitivo.
 Dito isso, vamos a algumas hipóteses sobre 2024.Â
O que vem por aÃ:Â
#1 Reset de Valuations
Como disse o investidor da Altimeter Brad Gerstner, o mercado nunca esteve "fechado". Tudo é uma questão de preço. Traduzindo: o quanto os investidores de tech estavam dispostos a pagar não encontrava o preço sob o qual os empreendedores estavam dispostos a vender.Â
A minha impressão é que em 2024 as empresas LatAm estarão baixando de forma significativa os valuations, encontrando assim uma maior liquidez de investidores querendo investir.Â
Isso deve-se a:Â
Reavaliação do tamanho da oportunidade. O mercado cairá na real que o mercado Latino-Americano é bem diferente dos Estados Unidos (só da perspectiva do PIB, Brasil é 14x mais pobre). A equação de Risco/Retorno de startups na região é muito diferente da dos Estados Unidos (salvo exceções de empresas que tem potencial de construir business globais, de "monopólio" ou estão buscando um mercado absurdamente grande). Dito isso, haverá um "hard landing" local, no qual startups de forma geral vão captar sob um patamar de valuation significativamente menor ao realizado nos últimos anos. Já começamos a ver os sinais em 2023 como retratado neste tweet do Brian Requarth.
Menor disponibilidade de capital. Considere que o mercado de Venture Capital LatAm tem um capital de giro. Parte desse dinheiro vem dos investidores locais e parte dos investidores intenacionais. Os locais estão com reservas menores, dado que em 2023 foi muito difÃcil capital dado o alto custo de oportunidade e descrença na classe de ativos por parte dos LPs. Já os internacionais estão mais cautelosos com a região (dado o risco/retorno) e tem focado sua atenção em outras oportunidades maiores (como A.I.)Â
Este debate sobre valuations de startups está gerando boas discussões. Recomendo a leitura da opinião da Spectra e a carta resposta do Gustavo e Willian, da SaaSholic. Espero que nos próximos dias ainda mais boas discussões sobre o tema. Â
#2 ShutdownsÂ
O cenário para 2024 é sombrio, com a previsão de que muitas empresas enfrentarão dificuldades financeiras, e a triste realidade é que vários empreendedores e fundos enfrentarão o encerramento de suas atividades, ou, na melhor das hipóteses, ficarão em estado de inércia.
Jon Redmond, Portfolio Manager da Discovery Capital, antecipa que mais de 1200 startups nos Estados Unidos ficarão sem recursos em 2024. Até novembro de 2023, 761 startups já haviam sucumbido nos Estados Unidos, indicando que o próximo ano será igualmente desafiador, se não mais.Â
Apesar dessa dura realidade, convido todos a olharem para o lado meio cheio deste desafio. Uma geração de empreendedores e investidores com conhecimento acumulado de glórias e fracassos que construirão um ecossistema mais saudável no futuro. Qualquer grande mudança tecntôncia (e tech LatAm é uma delas) conta com um momento de quebra e desânimo que acaba se revertendo como força motriz de progresso no futuro.Â
#3 M&AsÂ
O reset nos valuations inevitavelmente afetará as operações de M&A. A maior parte dos compradores da região são muito rÃgidos com preço e dado o reset de valuations, haverá mais oportunidades de compras estratégicas. Com o ajuste nos valuations, surge um cenário propÃcio para oportunidades estratégicas de aquisição. Jon Redmond argumenta que a aproximação do esgotamento do capital disponÃvel para algumas empresas também contribuirá para uma maior predisposição à venda nos Estados Unidos. Esta hipótese é parcialmente aplicável à América Latina, mas merece ressalvas. O poder de compra das empresas públicas é consideravelmente inferior e é importante notar que o endividamento das empresas brasileiras listadas atingiu recordes históricos, o que pode impactar negativamente as iniciativas de aquisição.
A perspectiva é que parte dessas operações de M&A ocorra por meio da consolidação de setores especÃficos. Na LatAm, o mercado de SaaS apresenta uma fragmentação significativa, e espera-se que os principais players liderem a aquisição de outras empresas locais, visando expandir os casos de uso ou impulsionar o crescimento regional e a carteira de clientes. Esses lÃderes de mercado se tornarão peças cruciais no fluxo de transações de "growth and private equity" no paÃs.Â
Quanto aos IPOs, o sentimento é de otimismo cauteloso. Os bancos preveem a abertura da janela de IPOs no segundo semestre, principalmente se os sinais positivos da economia global (como redução estrutural das taxas de juros e da inflação) se manterem estáveis.Â
#4 Expectadores de Inteligência ArtificialÂ
Como região, é crucial entendermos que somos espectadores e usuários de algumas grandes tendências. Das 3 maiores ondas que vimos em tecnologia - Hardware Tech (Smartphone, PC), Cloud e Social Media - praticamente não tivemos uma startup local relevante que construiu a infra/foundation. A mesma dinâmica parece se repetir no cenário da inteligência artificial.
Estaremos assistindo essa tendência e a batalha que acontecerá lá fora, com exceções de algumas startups emergindo no layer de aplicação. Sei que parece óbvio, mas queria solidificar que esses grandes deals de A.I. não acontecerão na região (salvo outliers). Como fonte de deals, veremos startups de AI no application layer ou então evoluindo a proposta de valor com o uso de AI.Â
#5 Esqueça os parâmetros dos últimos anos. Vai demorar muito para voltar.Â
O ciclo de Venture Capital é longo. Para o volume de investimentos retornar a um novo ciclo significativo de crescimento (tipo 2x o que o volume de 2023), os sinais históricos nos indicam que será no médio prazo (pelo menos 3 anos).
Stay sane. Stay sharp. Stay in motion.Â
O ano de 2024 será insano, com ainda mais barulho e cada vez mais sugiro você refletir com a pergunta de Jeff Bezos: O que não mudará em 10 anos?Â
Empresas boas, com bom produto, bom marketing, boa distribuição, clientes felizes e unit economics. Se você estiver nesse caminho, é o que importa.
Um ótimo começo de ano para você,
Lucas Abreu
Obrigado ao Farley Pereira e Pedro Castro pela revisão.
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