Silicon Valley Bank - O colapso de uma instituição
10 de março é um dia que nunca será esquecido: ele será marcado pelo fim do SVB e será o marco do inverno das startups
Bem-vindo e bem-vinda a Abreu Newsletter, um espaço de artigos autorais sobre tecnologia e startups.
Se você ainda não é assinante, junte-se a mais de 5.000 empreendedores e investidores que recebem conteúdos autorais sobre tecnologia aos domingos adicionando o seu email abaixo:
10 de março é um dia que nunca será esquecido: ele será marcado pelo fim do Silicon Valley Bank ("SVB") e será o marco do inverno das startups. SVB é o banco das startups. Mas na real é muito mais do que isso: SVB é uma instituição que estava no mercado há 40 anos que era a principal ponte entre o sistema bancário e as startups.
Metade das empresas americanas que levantaram capital com fundos de VC em 2022 o utilizavam como banco. Para o mercado LatAm, SVB foi por muito tempo o jeito mais fácil de se bancarizar nos Estados Unidos.
Neste infeliz dia 10 de março, o fim chegou. O Silicon Valley Bank, indefeso, viu sua derrocada à medida que todos os seus parceiros (e acima de tudo, clientes) priorizavam a própria sobrevivência e protagonizavam um dos primeiros "bank-runs" digitais. Foi digna de uma morte de instituição, que como dizem, não é morrida, e sim matada.
Se é matada, por quem foi? Pelo próprio ecossistema, pois a discussão sobre lealdade e comunidade sai da mesa no minuto em que você possivelmente não tem dinheiro para pagar seus funcionários e fornecedores. Há um dever fiduciário tanto para os gestores dos fundos de Venture Capital, quanto para os founders diante desta inédita situação.
Mas a morte matada não infringe o SVB de culpa. A má gestão financeira, a péssima comunicação e a falta de coesão na liderança da crise colaboraram em muito para que o improvável acontecesse. O artigo de hoje visa delinear como chegamos a este ponto.
Página 1: SVB - A infraestrutura do Vale do Silício.
Em 1983, um grupo de banqueiros impressionados com as promissoras empresas de tecnologia se uniu na Bay Area e construiu o Silicon Valley Bank. O banco sempre teve o objetivo bem claro: prosperar ao ser o principal parceiro financeiro de startups.
Essa aposta era muito arriscada mas se provou válida. Ao longo do tempo, SVB foi se tornando muito mais que uma conta bancária, mas também o investment banker, o credor, o administrador de patrimônio pessoal dos founders e o parceiro financeiro dos fundos de Venture Capital. A capacidade vertical de estruturar produtos para a indústria, somado à oferta multi-produto que se retroalimentam e uma estrutura de capital que gera uma defensibilidade relevante tornaram o Silicon Valley a infraestrutura crítica do Vale do Silício. O produto do SVB proporcionava menos burocracia, mais benefícios e melhores taxas. Em uma indústria tão conectada como a de tecnologia, era quase que inevitável para founders escolherem estocar seu capital em um banco no qual o seu VC recomendava, os seus colegas empreendedores usavam e que nunca havia tido uma crise.
SVB tornou-se tão relevante que, mesmo sendo focado em tecnologia, tornou-se a 16.ª maior instituição financeira dos Estados Unidos, com depósitos que somavam 161 bilhões de dólares.
Página 2: O crescimento e a baixa taxa de juros.
O mercado de tecnologia expandiu de forma exponencial em todas as frentes nos últimos 10 anos. Dado que "SVB" era a infraestrutura, ele se beneficiou muito: No final de 2019, o total de depósitos era de US$ 62 bilhões. No final de 2021, era de US$ 190 bilhões.
O crescimento, assim como uma grande oportunidade, representou também um enorme risco para a instituição.
De forma simplista, o modelo de negócios de um banco se baseia em: captar dinheiro de um lado e emprestar do outro. A receita provém da diferença entre a taxa de empréstimo e o juros pagos aos depositários, sendo conhecida como "Net Interest Margin". (NIM). Imagina crescer o número de depósitos de aproximadamente US$ 62 bilhões no final de 2019 para US$ 190 bilhões no final de 2021. Incrível né?
O banco surfou a onda, cresceu, e tornou-se ainda mais popular, coletando assim mais depósitos. Mas bancos não estão somente no business de coletar dinheiro. Eles ganham dinheiro ao investir-lo e assim, lucram na margem entre "retorno" e o custo de capital. SVB tinha duas opções de investimento: a) emprestar esses depósitos para empresas e pessoas ou b) comprar títulos financeiros a fim de gerar um rendimento mensal.
Dado que emprestar US$ 130 bilhões em 1 ano é muito difícil, o SVB optou por colocar a maior parte do seu dinheiro em ativos financeiros, especialmente em "Mortgage-backed securities", ou seja, títulos garantidos por hipotecas. Até aí tudo bem, essa realmente era uma opção viável para deployar tanto capital. Mas o grande problema foi investir 97% do valor em títulos de MBS, que são desenhados para ser mantidos apenas na sua maturidade, que era de 10 anos.
Com isto, uma combinação perigosa de fatores emergiu: com a subida da taxa de juros global e os impactos no mundo das startups (que esta humilde newsletter vem alertando há tempos), as startups começaram a gastar de forma relevante os depósitos que estavam no SVB. Dado que o mercado de investimento em startups caiu drasticamente, houve redução no total de depósitos e uma saída natural de capital.
A solução para o problema foi realizar as perdas. A empresa vendeu uma parte dos seus títulos de longo prazo, assumindo perdas relevantes. Dos US$ 21 bilhões vendidos, foram registrados US$ 1.8 bilhões em prejuízo e planejava se desfazer de uma parcela ainda maior nos próximos meses.
Perder dinheiro é horrível, mas é do jogo. Aqui se faz, aqui se paga. Como tirar um band-aid de vez.
Para cobrir um possível problema de liquidez de curto prazo em um caso extremo, a empresa lançou uma oferta de capital de oferta primária de US$ 2.25 bilhões, no qual o renomado fundo General Atlantic se comprometeria com US$ 500 milhões. Isso aumentaria a saúde financeira do banco, ao mesmo tempo que geraria malefício para os acionistas, que seriam diluídos. Seria natural uma queda drástica, como aconteceu, no valor da empresa.
O real risco para todos os acionistas ocorreriam se por acaso os detentores de dinheiro no banco, que fazem parte de um mesmo setor (startups), resolvessem de uma vez só retirar o dinheiro. Depósitos são "passivos" no balanço da empresa e dado que uma parcela razoável dos ativos está baixa liquidez (MBS), a empresa poderia se tornar insolvente em um cenário remoto, dado descasamento de duration de ativos vs passivos.
E aqui nasce um movimento que envolve: black swan, timing, dever fiduciário, momento macroeconômico e sociologia. Vamos para o próximo capítulo:
Página 3: A tragédia dos comuns
Tragédia dos comuns é um conceito sociológico com origem em reflexões de Aristóteles. Ele se refere a uma situação em que os indivíduos, agindo de forma independente, racional e de acordo com seus próprios interesses, atuam contra os interesses de uma comunidade.
Repare que founders e investidores vivem um momento difícil: as taxas de juros subiram, é mais desafiador captar investimento tanto para fundos de VC quanto para startups e recentemente vemos a derrocada de empresas bancárias como Silvergate e FTX. O ecossistema está em estresse e a confiança nas instituições está no pior momento possível.
Dito isso, por mais que estejamos em um "ecossistema", cada entidade busca acima de tudo os seus próprios interesses. Isto não só é natural do ser humano no mundo capitalista, como também faz parte do dever fiduciário e moral. O dever fiduciário refere-se à obrigação legal de agir em prol dos seus beneficiários/financiadores. O dever moral diz sobre a obrigação de honrar compromissos com seus principais stakeholders, como funcionários e fornecedores.
Dado que founders estão focados no seu muito exigente dia-a-dia, eles respeitam recomendações dos VCs sobre aspectos macro e globais, como o fluxo de capital.
No momento em que VCs Thought Leaders da indústria começaram a se posicionar recomendando a retirada do dinheiro pelo risco de insolvência, todos da indústria passaram a recomendar o mesmo. Por quê? Simplesmente porque o custo de ser o último a tomar uma atitude em um possível bank-run teria um custo muito alto e iria ferir o dever fiduciário perante seus stakeholders e moral perante seus funcionários e fornecedores, dado que poderia faltar capital.
No momento em que a confiança estava em um dos piores momentos do mundo, essa foi a tempestade perfeita para que cada um buscasse o seu próprio interesse. Com isso, ocorreu o movimento síncrono de toda a indústria de retirar o seu capital. US$ 42 bilhões de retirada foram solicitados em um dia, o que representa ~25% do volume total de depósitos, caracterizando assim uma corrida aos bancos. Assim, o SVB foi declarado insolvente e o FDIC tomou controle da instituição.
Essa tragédia, que terá impactos por anos, poderia ter sido evitada. Diferentemente da bolha de 2008, no qual a alavancagem financeira chegou a níveis recordes e os títulos vendidos realmente não valiam mais nada, a situação atual era muito diferente. O cenário de black swan, que é um evento raro, imprevisível e de alto impacto, realmente aconteceu.
Por isso, a morte do SVB é parcialmente matada. Mas também morrida.
Página 4: Um banco é tão forte quanto sua credibilidade.
"Banks aren’t in the business of money. They’re in the business of trust" - Shu Nyatta
Como disse, a derrocada do SVB também foi morrida. Porque como banco, seu papel é ter credibilidade e confiança.
Houve uma cascata de eventos que minaram a confiança no banco:
SVB anunciou o seu plano de contingência no dia em que o Silvergate, o principal banco crypto, alertou que fechará as operações bancárias, causando desconfiança no público.
O comunicado público da SVB é confuso e pouco explicativo. O email enviado aos stakeholders não apresenta uma solução de curto prazo factível.
Como se não houvesse como piorar a situação, o CEO Greg Becker realizou uma live com clientes no qual os mesmos não puderam fazer perguntas. O relato da TechCrunch é que a sua postura era de alguém em estado de pânico. No call, é relatado que o Greg disse que SVB tinha ampla liquidez com uma exceção: Se o boato de que SVB estava com problemas fosse espalhado por toda indústria, seria um desafio. Não é assim que se inspira confiança.
As redes sociais (especialmente whatsapp) bombardearam com informações reais e duvidosas. Isso aumentou a incerteza, e fez com que founders tomassem a decisão de retirar o seu dinheiro a fim de proteger a sua empresa.
Para piorar a situação, a base de clientes é praticamente do mesmo perfil, o que os leva a terem atitudes parecidas. Quando um founder ou fundo de VC vê seus colegas tomando uma atitude de retirar o dinheiro, a tendência deles é de fazer o mesmo.
Chegamos então ao efeito lollapalooza descrito por Charlie Munger. Segundo Munger, um dos segredos pouco falados do mundo é de que coisas extraordinárias acontecem quando 3 ou 4 forças acontecem simultaneamente e na mesma direção.
Esse evento extremo aconteceu após: A terrível gestão financeira do SVB, a tragédia dos comuns e busca pelo seu próprio interesse dos agentes, a concentração de clientes em uma categoria, o timing horrível, a macroeconomia e por fim, a comunicação que levou ao fim da credibilidade.
Estamos diante de um daqueles eventos raros que farão com que 10 de março se torne um dia histórico para a nossa indústria.
Sobre os impactos: ainda há tanta incerteza e a discrepância entre um cenário pessimista vs otimista é tão gigante que prefiro esperar antes de emitir reflexões (tema para os próximos artigos). Espero que amanhã (13/03) ocorra boas novidades no que se refere a possíveis compradores do SVB e que o FED gere segurança ao promover um plano que minimize os riscos de que a falência do SVB desampare a indústria de inovação. Além disso, é preciso de segurança para prevenir um bank-run em outros bancos regionais do USA, o que poderia ter consequências catastróficas e sistêmicas. Esta semana será tão tensa, quanto decisiva.
A minha mensagem final é para os founders, investidores e colaboradores que estão vivendo dias de muita incerteza: Que este pesadelo da insegurança acabe o antes possível para que voltemos a focar no que é transformador: acelerar o progresso da sociedade através da tecnologia. Desejo força neste momento desafiador.
Disclaimer: Esse artigo reflete as minhas visões pessoais e não expressam necessariamente a visão da gestora pela qual eu trabalho.
Obrigado Rodrigo Fernandes, Snowballer, Thiago Duarte, Camila Abreu e Guilherme Queiroz pelas revisões e inputs.
Se considerou o artigo valioso, compartilhe com seus colegas, sócios, investidores, redes sociais:
Adicione o seu email abaixo e receba artigos semanais sobre tech e startups.