A história ferroviária dos Estados Unidos é interessante: os primeiros trens começaram a ser construídos em 1830. O impacto na vida das cidades e na economia foi tão relevante que estava claro que este foi um daqueles momentos que pareciam que o futuro havia chegado. O grande projeto era uma ferrovia transcontinental, que cortava do leste ao oeste do país.
Toda a euforia e a perspectiva de uma grande oportunidade trouxe muito investimento nesse ativo por bancos, governos e investidores. A consequência foi a formação de uma bolha, uma vez que os preços ficaram inflacionados. A intensa “euforia”, culminou no “Pânico de 1873”, evento que resultou na falência de mais de 18.000 empresas ferroviárias. Apesar do impacto financeiro negativo para investidores, ela foi positiva para os Estados Unidos: construiu-se uma malha ferroviária que se tornou (e ainda é) a base da economia americana:
Em 1830, os EUA tinham apenas 40 milhas de trilhos ferroviários.
Em 1860, esse número saltou para cerca de 30.000 milhas.
Após a bolha, em 1890, os EUA possuíam mais de 160.000 milhas de trilhos ferroviários.
Minha visão é que bolhas tecno-científicas, aquelas que levam à adoção massiva de tecnologias que promovem progresso, são positivas. Qualquer investimento é balizado pela ótica risco/retorno. Somente em períodos de euforia há a capacidade de subverter a lógica de riscos, incentivando a construção de tecnologias relevantes sem preocupação excessiva com os riscos. Nesses casos, o upside é mais valorizado que o downside na avaliação dos investimentos, e quando a euforia se dissipa, resta uma infraestrutura residual, empreendedores mais preparados e um ciclo de aprendizado acelerado. Ação gera informação, e períodos de euforia geram muita ação.
Esse ciclo de ação e euforia também se refletiu no mercado de startups, tanto globalmente quanto na América Latina. O mercado de Venture Capital na América Latina cresceu 15 vezes entre 2017 e 2021, saindo de US$ 900 milhões para o pico atingindo o pico de US$ 15,3 bilhões. Desde então, recuou para US$ 5,3 bilhões em 2023, refletindo o fim de um ciclo de euforia.
Ainda há muito ressentimento e prejuízos com os exageros, valuations altos e tanto dinheiro investido em startups que não deram certo. Sob a ótica utilitarista, acredito que, no futuro, enxergaremos esse período como um dos melhores que já aconteceram para o mercado de tecnologia, mesmo diante das perdas econômicas.
No Brasil, sofremos de uma síndrome de pensar pequeno: a alta taxa de juros e a instabilidade faz com que as pessoas e investidores se perguntem mais sobre porquê uma startup pode dar errado do que como ela pode dar certo. As conversas são mais sobre riscos do que sobre potencial de retorno. Mas, nesse período de euforia de 2020-21, um cenário externo nos fez perguntar: “O que pode dar muito certo?” e aceitar correr riscos.
Muito dinheiro gerou muita ação, que gerou muita informação e feedbacks. Isso preparou melhor empreendedores e funcionários para os anos que irão vir no futuro. O investimento foi além do capital humano: ele também educou clientes e acelerou a curva de adoção de tecnologia, para pessoas e empresas. Mais empresas começaram a construir soluções em tecnologia, e mais pessoas tiveram contato com softwares pela primeira vez.
A euforia ajudou a pensar grande, e isso é importante em nações cuja aversão de riscos é alta.
Pense em algumas startups: a euforia de 2021 criou ecossistemas para creators monetizarem (Hotmart, Kiwify), trouxe soluções eficientes de wellness (Wellhub), desenvolveu o mercado de fintechs (Ebanx, Pomelo, Asaas, dLocal), fortaleceu hardware industrial (Cobli, Tractian), mercado de saúde e benefícios (Alice, Caju), SaaS (Omie, Onfly, Zig) além de muitos outros exemplos.
Assim como olhamos para a ferrovia americana como ponto vital da economia, olharemos para esse período, que foi difícil para muitos, como um marco importante. Nós ousamos sonhar, e a derivada disso foi preparar mais pessoas e empresas.
Como a terceira lei de Newton ensina, toda ação gera uma reação. A ação de investir muito dinheiro na América Latina gerará a reação de fortalecimento do ecossistema e pavimentará os anos à frente.
Obrigado, 2021!
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