Em algum lugar, nesse momento, na Faria Lima, Miami ou no Zoom…
"Ah, então a startup X é o Nubank desse setor?"
" Sim, bro! É um setor antigo, dominado por incumbentes, e cê acredita que ninguém conseguiu criar uma jornada digital?"
" Animal 🚀🚀. Eles acabaram de conseguir um term-sheet e já tem fundo gringo interessado… eles vão bombar..."
Se você trabalha com tecnologia, Venture Capital e lê as notícias, há uma boa chance de você ter visto, trabalhado ou investido em uma startup que se posiciona como o Nubank para um mercado "X".
Por mais que o Nubank seja merecidamente fonte de inspiração, é cansativo ver tantos playbooks de startups pautados em uma história de sucesso que só diz respeito à realidade do mercado bancário do Brasil daquele tempo específico.
Ter um grande sucesso como base de modelo de diversos negócios não é algo inédito no mercado de startups. Alguns anos atrás, o Uber era essa principal empresa que inspirava storytellings e playbooks.
Quando entrei no mercado de Venture Capital em 2017, frequentemente recebia decks de startups com o pitch: “Sou o "Uber" de X mercado”.
A partir do sucesso do Uber em conectar dois lados, surgiram inúmeros marketplaces tentando replicar o modelo de negócios em mercados análogos. Uber for X foi a base de tantos produtos que ficou conhecido no vale do silício e virou até coleção no product hunt.
Após alguns anos, o resultado foi que a maior parte das empresas não teve sucesso por inúmeras razões, mas todas tinham a mesma raiz: É impossível plotar a realidade de um mercado com todas as suas características únicas em outro. A maior parte dos founders subestimou as complexidades e nuances específicas do seu próprio mercado.
Essa mesma realidade está acontecendo com as startups de consumo no Brasil.
O “Uber para X mercado” está se tornando o “Nubank para Y mercado".
É lógico que a maior parte dos mercados são liderados por incumbentes, que muitas vezes são lentos e ineficientes. Isso não significa que eles serão disruptados por startups. Há aspectos mais complexos, como efeito de rede, economia de escala, alto custo de troca de serviços, tecnologia proprietária ou vantagens competitivas envolvidos na equação.
No caso do mercado bancário, entre 2013-2018, havia uma janela no qual os bancos não proporcionavam nem de perto uma jornada digital eficiente para a população. Nubank aproveitou essa brecha, conquistou branding, produto e acesso a capital como vantagem competitiva, e tornou-se esse gigante de ~US$ 50 bilhões de market cap.
Usar uma história de sucesso de uma empresa fundada em 2013 como base de probabilidade de sucesso no mundo de 2021, no qual a agenda e o orçamento de todos os incumbentes está direcionado a digitalização é quase que inocente.
Para estudarmos se uma startup tem potencial de se tornar gigante (que é o dever do Venture Capital), há dois grupos macros de análise:
Vantagens Competitivas
Defensibilidades
Vantagens competitivas nos dizem quais são as alavancas que levarão a conquista rápida de um mercado em comparação aos concorrentes. Podemos citar algumas:
Velocidade
Acesso a capital
Time
Produto
Timing
Propriedade na geração de leads
Defensibilidades é sobre o que é necessário para que essa empresa permaneça relevante após atingir algum tipo de patamar. É o famoso “moat” ou barreira de entrada. Segundo NFX, existem 4 tipos possíveis de defensibilidade:
Efeito de rede:
O valor do produto (e da rede) aumenta a medida que um novo usuário é adicionado.
Economia de escala
O custo de se produzir um novo produto ou de prover o serviço diminui a medida que novos usuários são adicionados
Embedding product
A integração do seu produto é tão profunda com o seu cliente que o leva a ter um altíssimo custo de troca caso queira usar a solução de um concorrente.
Branding
A marca ou imagem da empresa é tão forte que consumidores querem se manter associados devido a identificação ou reputação.
No caso do Nubank, podemos citar como vantagens competitivas:
Produto - jornada digital sem a dependência de agências físicas.
Branding - marca com comunicação focada nas novas gerações
Acesso a capital - Nubank teve como vantagem competitiva acesso ao capital massivo desde o seed round para capturar os consumidores.
além de time, cultura, timing, etc, etc.
Como defensibilidade, só enxergo uma: Branding.
No momento em que a Nubank nasceu e escalou, as suas vantagens competitivas os colocaram léguas à frente da concorrência. Se fosse hoje, essas mesmas características provavelmente não seriam alavancas de força tão fortes. Por exemplo, o custo de aquisição de usuário hoje seria muito maior. As características específicas do Nubank e do seu mercado nesse espaço tempo específico foram responsáveis por criar a maior startup do Brasil.
Com certeza Nubank é uma grande inspiração, mas a natureza do produto, do público alvo, do ticket médio e do mercado muda completamente a dinâmica do jogo.
Que a geração Uber for X nos ensine uma lição.
PS: Sempre haverá ganhadores e existem vastas oportunidades em se explorar mercados com abordagens parecidas com a do Nubank. A minha crítica é aplicação desse modelo mental para realidades tão diferentes como tenho visto frequentemente.