Já fazem 100 dias do lançamento do Vision Pro e talvez seja o momento de escrever uma análise mais sóbria sobre sua tecnologia e impactos.Â
A experiência com o Device foi a mais mágica que já vivi dentro de realidade virtual, mas por outro lado, a alta taxa de devolução e a falta de utilidade mostram que ainda estamos longe de um produto pronto.Â
A pergunta que fica é: afinal, o Apple Vision Pro é o The Next Big Thing?Â
Este artigo é de opinião pessoal e foi influenciado pela minha conversa com Caio Jahara (episódio 2 do Abreu Podcast), pelo artigo do Hugo Barra e pela minha curiosidade que me levou a pesquisar nas mais diferentes fontes e profundezas da internet.Â
[TL,DR]Â
A história da realidade virtualÂ
A renascença da realidade virtualÂ
O Apple Vision Pro
Comentários sobre o AVP
A história da realidade virtualÂ
A primeira aplicação de realidade virtual foi o Sensorama, criado pelo cineasta e inventor Morton Heilig na década de 1950. Este dispositivo era uma máquina de experiência teatral que fornecia visão estereoscópica, som, vibração e aromas para imergir completamente o usuário.
Logo depois, em 68, veio a Espada de Damócles, criado por Ivan Sutherland. Era tão disruptivo na época que foi o primeiro de uma série de projetos que inclusive foram comparados com "viagem com ácidos".Â
Nos anos 90, uma década marcada pela ascensão e expectativa com a internet e computadores, tivemos o lançamento de produtos de VR como Virtual Boy, da Nintendo e o Sega. O resultado real foi que a tecnologia estava longe de ser pronta, e a experiência, muito distante de uma realidade de consumidor.
Em todos os casos, o uso estava vinculado ao entretenimento: seja através de novas formas de assistir um filme como também novas formas de jogar jogos.Â
Desde essa época, a indústria evoluiu de forma incremental, mas nunca encontrou um novo produto para o consumidor que fizesse muito sucesso.
A renascença do VR
O que Leonardo da Vinci foi para o movimento renascentista, Palmer Luckey foi para a renascença do VR.
Esse rapaz em 2012 lançou um projeto na plataforma de crowdfunding "Kickstarter" uma arrecadação para desenvolver um VR. Segundo ele, o objetivo é ser o primeiro headset de realidade virtual verdadeiramente imersivo para jogos. Ele visava proporcionar uma experiência profunda de imersão, com ampla visão de campo e alta taxa de resposta, tudo isso a um preço acessÃvel para desenvolvedores.
Com apenas US$2.5MM, Palmer começou a construir as primeiras versões do "DevKit". Esse termo é importante para indústria do hardware (veremos mais depois)Â
Um "development kit" (kit de desenvolvimento) na indústria de tecnologia, é um pacote ou conjunto de ferramentas projetado para permitir que programadores e desenvolvedores criem aplicações para uma nova plataforma ou dispositivo. No caso especÃfico da Oculus e do Oculus Rift, os development kits são versões pré-comerciais dos headsets de realidade virtual, oferecidos aos desenvolvedores para que possam experimentar, testar e desenvolver jogos e outros tipos de software compatÃveis com o dispositivo antes de seu lançamento oficial ao público.
Na indústria do hardware funciona assim: você cria, envia para os devs e entusiasmados do setor, e eles passam a ter uma ideia do que poderá ser construÃdo.Â
Acabou que os protótipos foram um sucesso e em 2014, Mark Zuckerberg resolveu adquirir a Óculus por US$2 bilhões. Em 2015, ele discutia adquirir uma empresa do segmento e mostrou seu otimismo com o mercado em um Memo vazado:Â
Se tornou um momento efervescente da indústria: além da principal empresa de rede social do mundo comprar uma startup por um mega premium, a Microsoft também resolveu dar um passo adiante: criou o Hololens, um componente que agrega a realidade aumentada e virtual. Curioso que esse óculos se tornou muito forte dentro de aplicações B2B.Â
Só para dar uma perspectiva histórica: estamos em 2015/2016.
A realidade é que a renascença não encontrou um estrondoso product market fit. As vendas foram interessantes, como mostra o gráfico abaixo:Â
O crescimento médio anual da indústria foi de 21.5%. Â
Por ser hardware, é injusto comparar com softwares como OpenAI, que alcançou 100M de usuários em 2 meses. Se olharmos uma categoria mais próxima, como videogames, podemos ver que ainda há uma distância relevante. Os três principais consoles (Xbox, PS5 e Nintendo Switch) venderam 42M de unidades em 2023, vs 11.2M de unidades de VR. Ou seja, a indústria de VR units hoje é ¼ da de consoles.Â
O que é interessante, como é relatado pelo Caio na nossa conversa, é que hoje os mais jovens são os principais usuários de VR.Â
Sobre o valor dentro dessa indústria: Um argumento empÃrico do Caio é grande parte do dinheiro que roda o ecossistema de aplicações de VR é da indústria de games. Foi o user case mais consolidado. Para o uso individual, há uma falta de mais user-cases. Se você não for um fã de jogos, de fato hoje não fará tanto sentido ter um aparelho de realidade virtual.Â
Apple Vision ProÂ
Palmer Luckey (o "Leonardo da Vinci" que mostrei acima) uma vez disse:
"VR será algo que todo mundo vai querer antes de todo mundo poder ter".Â
Em outras palavras, VR vai ser um produto aspiracional. Só que a real é que o VR, na minha opinião, nunca teve um momento "WOW" que gerasse um impacto estrondoso, e por consequência, as pessoas tivessem vontade de ter. Não mexeu no imaginário das pessoas da forma que era esperado.Â
Diante disso, qual empresa historicamente mais mexeu com o imaginário? A tal da Apple.Â
A expectativa sobre VR mudou, quando em 2023, a Apple, anunciou que estava desenvolvendo o Apple Vision Pro, que foi apresentado em fevereiro de 2024. Por que isso é um marco?Â
Como Hugo Barra diz, "se a Apple se importa, todo mundo se importa".Â
Apple é o fabricante de hardware mais importante do mundo e em produto para consumidores, revolucionou as últimas duas grandes ondas: Personal Computer (MacBook) e Celulares (Iphone). Isto sem mencionar outros sucessos como Apple Watch e Airpod.Â
Apple tem o poder de marca para atrair empresas a criarem aplicações de VR e tem o poder da distribuição. É uma marca aspiracional.
O Apple Vision Pro é um device de "Computação Espacial", segundo a Apple. A empresa não se categorizou como VR, ou realidade aumentada.Â
Computação espacial, de forma simplista, significa sistemas que criam experiências imersivas e interagem com espaços fÃsicos ao seu redor.Â
 A Apple foi capaz de fazer as pessoas sonharem, indagarem e se perguntarem sobre o futuro após utilizarem o Vision Pro. o. De toda experiência, a minha avaliação e a do Caio sobre o que é mágico e o que é "bad" do AVP ('‘10 do podcast).
Mágico:Â
Eye Tracking e Gestos com as mãos como forma de controle.Â
UXÂ
Resolução.Â
Campo de visão.Â
Bad:Â
Peso.Â
DesignÂ
PreçoÂ
Falta de user cases
Alguns comentários importantes:Â
Foco em produtividadeÂ
A Apple trouxe uma nova visão de uso: além do gaming (que é a base dos user-cases dessa categoria), o foco é construir um produto que aumenta a produtividade nas tarefas do dia-dia. Um exemplo é a demo dentro da loja da Apple: você passa por três sessões. A primeira é sobre fotos e vÃdeos, e confesso que passa uma sensação até assustadora de hiper realidade.Â
A segunda é sobre apps de produtividade e dia-dia. Você entra em sites, está em múltiplas telas. E a terceira é sobre entretenimento. Catálogo da Apple TV e por aà vai.Â
É um DevKit?Â
DevKit é um "MVP" cujo intuito é mostrar ao mundo (especialmente usuários e desenvolvedores de aplicação) o que está sendo construÃdo para que eles auxiliem com ideias e comessem a idealizar o que vai ser possÃvel construÃdo. Quando o Oculus foi criado, eles começaram com um DevKit cujo programadores de VR de todo o mundo acessam e começaram a ver o poder da tecnologia.Â
Hugo Barra argumenta que o apple vision pro é um grande toolkit. Isso significa que ele não está pronto, mas a sua finalidade é despertar o imaginário das pessoas e das empresas. Ele alega que é um "devkit" devido às limitações do modelo lançado.
Isso gera uma decepção, o que resulta em uma alta taxa de devolução do device.
Ciclo de atenção.Â
Toda vez que sai uma notÃcia importante, como o surgimento de uma nova tecnologia, há uma atenção gigantesca e depois, em muitos casos, as pessoas esquecem. O "current" new thing effect acontece em todas as camadas da sociedade e aconteceu com o AVP. O interesse sobre o assunto teve o auge durante o perÃodo de lançamento e logo depois caiu bruscamente. Manter o awareness do público é um desafio.Â
Wearability
A capacidade de usar o device de VR por longos perÃodos é um ponto crucial a ser considerado. O peso do dispositivo é um fator decisivo para o conforto do usuário. No caso do AVP, seu peso é uma das principais crÃticas. Muitos usuários relataram desconforto após algum tempo de uso contÃnuo, o que pode limitar a adoção do produto para tarefas que exigem longas sessões de imersão.
Além do peso, o design do Vision Pro também influencia na sua usabilidade. Apesar de a Apple ser conhecida por seu foco em estética e ergonomia, o Vision Pro não atendeu totalmente às expectativas em termos de conforto. A faixa de suporte na cabeça e o ajuste nos olhos precisam ser refinados para garantir uma experiência mais confortável. A usabilidade do Vision Pro em atividades cotidianas será um fator determinante para seu sucesso a longo prazo, especialmente se comparado com outros dispositivos que já estão no mercado.
Eye Tracking e Uso de Gestos
A utilização de rastreamento ocular e gestos como formas de controle no Vision Pro representa um avanço significativo na interação homem-máquina. Essa tecnologia permite que os usuários naveguem e interajam com o conteúdo apenas com o movimento dos olhos e uso de gestos, substituindo o uso tradicional do mouse e teclado. Esse método de controle é não só intuitivo, mas também proporciona uma experiência mais natural e imersiva.
A precisão do rastreamento ocular no Vision Pro é impressionante.
Conclusão
O Apple Vision Pro é um marco na evolução da realidade virtual e aumentada, mas ainda há um longo caminho a percorrer. A tecnologia de rastreamento ocular e gestos é uma inovação empolgante, mas o conforto e a usabilidade precisam ser aprimorados para que o dispositivo se torne realmente mainstream e alcance o product market fit.
Eu acredito que é a Apple entregou sua missão no produto: nos fazer olhar através de uma nova lente o futuro (que pode ser muito distante).
Escute o episódio 2 do podcast
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