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Analisando o IPO do Figma

A primeira imersão sobre a Figma foi contada nesse podcast, contextualizando suas história e lições. Na etapa de hoje, convidei o mestre das finanças Rodrigo Fernandes para analisarmos os números da empresa.

É uma oportunidade de observar os números de uma empresa de software de alta performance, num estágio avançado de crescimento e ainda com traços nítidos de produto emergente.

Mas mais do que apenas olhar os resultados, este texto propõe usar o S-1 (que é o documento do IPO) como base para entender os principais indicadores financeiros e operacionais que definem a qualidade de um negócio de software.

Em vez de seguir a ordem do documento original, organizamos os dados em torno das métricas mais relevantes para análise SaaS — da receita recorrente à margem bruta, da retenção de clientes à aposta em inteligência artificial.

Mesmo que você nunca tenha lido um S-1 antes, o que verá aqui é um mapa conceitual para avaliar negócios SaaS com mais profundidade e, quem sabe, também com mais curiosidade.


Esta edição é oferecida pela Onfly.

No artigo que escrevi sobre a empresa em abril/25, destaco que um dos seus grandes poderes é crescer graças a expansão do consumo dos próprios usuários.

Esta métrica, que veremos que existe com semelhança na Figma, retrata acima de tudo a qualidade da solução e produto. Os clientes da Onfly concentram mais gastos de viagens corporativa ao longo do tempo na empresa pois a solução se torna indispensável para eles.

As melhores soluções expandem receita e uso ao longo do tempo.

Você deveria fazer como as principais empresas do país e se tornar cliente da Onfly.

Saiba mais


Analisando o IPO da Figma.

1) ARR: Quase um unicórnio por assinatura

O ARR (Annual Recurring Revenue) representa a receita anualizada com base na base mensal mais recente.

No 1T24, a Figma atingiu US$912 milhões em ARR, crescendo 46% ano a ano, um ritmo excepcional para o estágio de maturidade em que se encontra. Para efeito de comparação, nenhuma empresa pública da América Latina apresentou crescimento semelhante: Nubank e MELI chegaram, respectivamente, a 37% e 31%.

Considerando apenas a receita de 2024, implicaria uma taxa de crescimento de 49%, superior a todas as empresas de softwares públicas nos Estados Unidos como podemos ver na análise de Jamin Ball.

Este crescimento tem diversas fontes, mas o grande benefício é ser líder de uma categoria de softwares inovadores para design. A Figma é a escolha número 1 dos designers, com 70% de preferência entre profissionais da área.

Esse número impressiona não apenas pelo volume, mas por vir acompanhado de lucro e geração de caixa. Isto está conectado à evolução do produto e expansão da importância dentro dos próprios clientes, como descreveremos a seguir.

Crescer rápido no mundo SaaS é comum. O difícil é crescer rápido com qualidade — e nisso, a Figma é exceção. Sair de meio bilhão para quase um bilhão de receita mantendo 46% de crescimento indica uma base sólida, estável e pouco dependente de manobras como descontos agressivos ou CAC inflado. A alavanca foi outra: PLG (Product-Led Growth), com foco absoluto em produto e experiência.

2) NRR: O número que todo investidor quer ver

NRR (Net Revenue Retention) mede a variação da receita dentro de uma mesma base de clientes, incorporando expansões, mas excluindo novas vendas. Uma NRR de 132% indica que a Figma não apenas reteve sua receita, mas a ampliou significativamente.

A grande razão para tal é expansão de produto. Como escreveu Dylan Field, CEO da Figma:

Nós queremos tornar fácil para qualquer um fazer o design e criar um produto digital em uma plataforma - do começo ao final, da ideia à produção.

A Figma começou como uma plataforma mas logo ampliou o leque de produtos, expandindo o uso dentro dos usuários.

O primeiro lançamento foi o FigJam em 2021, uma ferramenta focada na ideação e desenvolvimento de novas ideias. O roll-up de produtos continuou com o lançamento do dev/mode e do Figma Slides.

Essa estratégia tem dado certo e no prospecto do IPO podemos ver que 76% dos usuários usam mais de um produto. O objetivo da Figma é se tornar o "one-stop-shop" para times de produto.

O Poder da Expansão Dentro da Empresa

O Net Dollar Retention é uma das formas mais poderosas de avaliar a qualidade de um produto. Com 132%, isso significa que a base de clientes que um ano atrás comprava, por exemplo, $100, agora está comprando $132. Só da expansão na base existente, a Figma já cresce 32% - mesmo sem adicionar um único cliente novo.

Mas a expansão da Figma vai além do upselling tradicional. A empresa nasceu focada no designer, mas hoje 66% dos usuários pagantes não são designers. Isso mostra duas realidades poderosas: a Figma democratizou o design para não-especialistas e se tornou uma ferramenta de empresa como um todo - um centro de ação onde qualquer pessoa no projeto consulta mock-ups e protótipos.

Saiba mais: O artigo sobre sistemas de ação da Bessemer me gerou muitos insights.

Mas há um detalhe importante no NRR da Figma que precisa ser observado: o número de 132% considera apenas clientes com mais de US$10 mil em ARR, ignorando os menores. Isso foge ao padrão de mercado e omite justamente o segmento mais sujeito a churn. Estimativas externas apontam que o NRR real estaria entre 115% e 120%, ainda assim, um resultado excelente.

Isso levanta uma questão: A criatividade contábil que existe nas métricas SaaS. Enquanto a receita tem contabilidade que a averigua, métricas como LTV, NRR e churn permitem ajustes metodológicos que podem inflar os números.

É fundamental que investidores e operadores estejam atentos a essas nuances.

3) GRR: Bom demais pra ser verdade?

GRR (Gross Revenue Retention) mostra quanto da receita foi mantida após perdas, sem considerar upsells.

A Figma reporta um GRR de 96%, número alto mesmo entre as empresas SaaS. Porém, esse valor foi inflado ao excluir downgrades, considerando apenas cancelamentos completos - o que distorce a métrica em relação ao padrão de mercado.

Mesmo com o ajuste metodológico, é provável que o GRR real da Figma ainda supere a média do mercado. O problema não está no desempenho, mas na falta de transparência. Para investidores, o GRR revela a estabilidade da base sem o efeito do upsell. Ao optar por excluir downgrades, a Figma compromete a comparabilidade — mas ainda assim sinaliza um produto com retenção robusta.

Ainda assim, o sinal é forte: os clientes que escalam com a Figma tendem a permanecer e aumentar seus gastos. Em modelos PLG (Product-Led Growth), essa capacidade de expansão orgânica é um forte indicador de aderência e valor percebido.

4) MAU: A escolha do pico e os efeitos de rede

MAU (Monthly Active Users) é uma métrica clássica de produtos freemium e PLG. A Figma reporta 13 milhões de usuários ativos mensais. O volume impressiona, especialmente pela diversidade dos perfis que compõem essa base.

O mais interessante, como dito acima, é que 66% desses usuários não são designers, o que retrata duas realidades:

  1. Figma democratizou o design para não especialistas

  2. Se tornou uma ferramenta de empresa como um todo.

Ela se torna um centro da ação onde qualquer pessoa no projeto olha os mock-ups e protótipos.

Isso gera um efeito de rede relevante que é uma das fontes poderosas de defensibilidade da ferramenta diante do mundo onde todo dia surge um "AI-powered Design Tool".

À medida que mais times e designers usam a ferramenta, mais valiosa ela fica - tanto pelos efeitos diretos (designers colaborando) quanto pelos efeitos cruzados (designers, PMs, engenheiros e outros compartilhando projetos entre equipes).

O centro de ação explica o alto número de usuários ativos e indica a vitalidade do produto e potencial futuro de conversão. Mesmo com metodologia agressiva, o número traduz um ecossistema ativo, engajado e com margem para monetização futura.

5) Cohort Chart: O gráfico mais bonito do S-1

Gráficos de cohort mostram a evolução de receita por grupos de clientes ao longo do tempo. A Figma apresentou curvas suaves e crescentes, sem quedas abruptas — um sinal raro de retenção forte, expansão contínua e ausência de churn significativo.

Essas curvas são, na prática, um retrato visual de product-market fit com profundidade econômica. Ao acompanhar o comportamento das cohorts, é possível perceber se a empresa está apenas vendendo bem ou construindo valor duradouro. No caso da Figma, a segunda opção salta aos olhos.

Empreendedores por favor criem gráficos como esse. Fonte: Figma S-1

6) Margem bruta: Será que é isso mesmo?

A margem bruta indica o quanto da receita sobra após custos diretos, como infraestrutura e suporte. Com 88%, a margem da Figma está bem acima da média SaaS (entre 70% e 80%), o que aponta para eficiência técnica e um modelo operacional enxuto.

É interessante notar que no Brasil raramente vemos margens brutas dessa magnitude, mesmo em empresas públicas. Isso pode estar relacionado ao fato de termos custos em dólar (empresas Cloud) mas receitas em real, criando uma pressão cambial que não existe para empresas americanas. Essa dinâmica pode explicar por que empresas brasileiras frequentemente operam com margens mais apertadas.

Esse número merece atenção especial, pois margens altas criam mais espaço para reinvestimento. Com o avanço da IA, é possível que os custos aumentem, mas a base sólida da Figma sugere que há gordura para acomodar essa transição sem grandes impactos.

7) Eficiência e Magic Number

O Magic Number é uma métrica usada para medir a eficiência dos investimentos em vendas e marketing em empresas SaaS. Ele mostra quanto de nova receita recorrente anual (ARR) uma empresa gera para cada dólar gasto em marketing e vendas no trimestre anterior. De forma simplificada:

se o número for 1.0, significa que a empresa está recuperando todo o investimento já no primeiro ano – e, se tiver alta retenção, esse retorno só cresce com o tempo.

O Magic Number da Figma tem oscilado entre 0.75 e 1.25, números impressionantes dado o tamanho do negócio. Isso significa que, para cada dólar investido em marketing e vendas, a empresa gera entre $0.75 e $1.25 de nova receita recorrente anual — um retorno excelente no primeiro ano, que se multiplica nos anos seguintes devido à forte retenção e expansão de contas.

Parte dessa eficiência vem do motor PLG (Product-Led Growth) que a empresa construiu ao longo do tempo, em que o próprio produto impulsiona a aquisição e o crescimento, reduzindo a dependência de esforços comerciais tradicionais.

8) Lucro operacional: O luxo da eficiência

O lucro operacional representa o resultado antes de impostos e encargos financeiros. No 1T24, a Figma registrou US$45 milhões de lucro mesmo crescendo 40% ao ano, um feito raro entre empresas SaaS. Isso mostra que o crescimento veio com disciplina financeira, não com queima de caixa.

Em tempos de foco renovado na eficiência, esse tipo de performance pesa muito para o mercado. A capacidade de escalar mantendo rentabilidade é um diferencial competitivo relevante, especialmente para empresas que se preparam para IPO ou aquisições.

9) AI: 148 menções e uma aposta estratégica

A palavra "AI" aparece 148 vezes no S-1 da Figma. A empresa trata inteligência artificial como uma aposta estratégica, com aplicações em automação, assistentes e co-criação. Ao mesmo tempo, reconhece que os investimentos em IA pressionam as margens no curto prazo.

A Figma chegou no momento exato em que a IA democratiza tanto código quanto design. Enquanto ferramentas como Cursor facilitam o desenvolvimento de software, a Figma se posiciona para democratizar o design. Essa convergência amplia drasticamente o addressable market justamente quando a empresa tem a plataforma e os recursos para capitalizar.

Esse tipo de posicionamento mostra seriedade. Em vez de adotar uma postura oportunista, a Figma demonstra disposição real em liderar essa nova fronteira. A aposta em IA pode se tornar um novo motor de diferenciação — e não apenas um enfeite de narrativa.

10) O Fenômeno do "Vibe Market Fit"

Além do tradicional product-market fit, a Figma conquistou algo ainda mais poderoso: um "vibe market fit". Usar Figma se tornou uma declaração de identidade profissional - diz algo sobre quem você é no ecossistema de design e produto.

Isso é similar ao que vemos com Cursor no mundo dos desenvolvedores. Escolher Cursor sobre GitHub Copilot não é apenas uma decisão técnica, mas uma afirmação de que você busca modernidade e inovação. A Figma criou essa mesma dinâmica no design.

Esse fenômeno gera um flywheel natural de go-to-market que flui organicamente. A ferramenta se torna emocional, attached à comunidade, criando uma engrenagem natural que é muito difícil de replicar através de "engenharia" tradicional de marketing.

Múltiplos e Comparações: História do Amanhã

O IPO da Figma está sendo precificado entre 13-15x receita, contrastando dramaticamente com aquisições contemporâneas. Na mesma semana, a Totvs comprou a Linx por múltiplo de 2.7x receita. Por que essa diferença abissal?

A resposta está na frase do Morgan Housel: "O valor de uma empresa são os números de hoje multiplicados pela história do amanhã."

A Figma representa um mercado sendo criado, enquanto outras aquisições representam consolidação de mercados maduros.Quando olhamos para a proposta da Adobe em 2022 (avaliando a Figma em 50x receita), os múltiplos atuais parecem conservadores. Se a empresa mantiver o crescimento de 45% ao ano, ficará "

barata" rapidamente.

Bitcoin

Um detalhe curioso: a Figma investiu $60 milhões em Bitcoin. Considerando que boa parte das receitas são globais e a empresa tem capilaridade mundial impressionante, isso demonstra uma estratégia sagaz de independência cambial. Não ficar dependente apenas do dólar em um contexto de incertezas econômicas globais faz sentido estratégico.


O caso da Figma mostra que excelência operacional em SaaS não significa queimar caixa sem controle ou crescer a qualquer custo. Pelo contrário, é possível escalar com eficiência, manter margens altas, apresentar retenção sólida e ainda ter uma base ativa que sustente a expansão. É o benefício de ser um líder de categoria.

A combinação de produto com tração orgânica, penetração corporativa e disciplina financeira faz da Figma um exemplo raro e valioso no universo de software. Mais importante ainda: a empresa conseguiu isso sendo líder de categoria, criando um novo mercado ao invés de disputar um existente.


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