A nova realidade do Venture Capital e seus impactos no mundo das startups
O inverno chegou de repente. E não estou falando apenas do clima.
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Não sei se é o tempo que está passando mais rápido, a mudança repentina de humor do mercado, a tonelada de informações que recebemos diariamente ou a falta de convicção dos investidores de tecnologia, mas uma junção de fatores me fez sentir perdido em meio a retração do mercado de Venture Capital tão falada nos últimos tempos. Dito isso, busquei me afastar do barulho e tentar entender o que está acontecendo.
O objetivo do artigo de hoje é contar uma narrativa que explica o que está acontecendo hoje no mundo de forma macroeconômica, como isso afeta o mercado público de ações de tecnologia, como impacta o mercado privado de investimento em tecnologia (Venture Capital), os impactos na América Latina e quais ações empreendedores podem tomar diante desse novo mundo.
A base teórica do meu texto é o excelente vídeo "Operating during a downturn", da Craft Ventures em complemento ao artigo "Um Novo Normal", do Eduardo Vasconcellos e da conversa gravada no "The Good Time Show" abordando o novo mercado. Além disso, contei com a revisão, feedbacks e conversas com Economistas, Investidores (VCs, Growth e Mercado Público) e empreendedores.
O que está acontecendo nos mercados públicos?
Desde novembro de 2021, vem acontecendo uma queda vertiginosa do valor das ações de tecnologia. Dentre as variáveis, a mais correlacionada com esse movimento é a inflação. Quando estamos passando por um período inflacionário, o preço dos itens sobem, a moeda perde valor e a população perde poder de compra. Dito isso, a inflação alta é combatida por governos e o seu principal remédio chama-se taxa de juros. Para quem não conhece, a taxa de juros básica (que no Brasil é denominada Selic), é o valor base estipulado pelo banco central que influencia todos os empréstimos do país.
De forma sumarizada, ela é a taxa média de juros que é aplicada no mercado, e é determinada pelo Banco Central de cada país como o BACEN (no Brasil) e o FED (USA). Se a inflação está alta, aumenta-se o juros, pois assim o custo de capital sofre uma elevação em todo o sistema bancário, o que aumenta a taxa de juros dos clientes, que passam a não tomar tantos empréstimos ou realizarem novos investimentos pois o dinheiro está mais caro e assim, diminui-se o movimento da economia, reduzindo a inflação.
A inflação do momento é global e o que está acontecendo nos Estados Unidos tem impacto em todo o mundo. Como grande parte da liquidez global advém da economia e da moeda americana (especialmente em investimentos no ocidente), é esperado um efeito cascata a partir do que ocorrer na região.
Nos EUA, a inflação está no período mais alto dos últimos 40 anos. Isso decorre primeiro do aumento de preços atrelada a "supply chain issues" ocasionada pelo COVID e após algum tempo, percebeu-se que houve um problema de demanda altíssima que também gerou uma pressão inflacionária na economia. Isso levou o FED a subir a taxa de juros recentemente de forma mais repentina.
Ao elevar a taxa de juros, há um impacto direto nas ações e principalmente, nas ações de empresas de tecnologia. Como explica Eduardo Vasconcellos no seu post "Um Novo Normal":
Empresas de tecnologia, devido aos fortes investimentos em crescimento, tem fluxos de caixa positivos apenas no futuro, em alguns casos daqui a muitos anos. Isso faz delas empresas com alta duration. Ativos com alta duration são mais sensíveis a movimentos nos juros. O custo de investir numa startup, esperando que ela (talvez) entregue resultados em vários anos, começa a ficar alto nesse cenário. A pergunta que os investidores globais se fizeram por anos “onde vou achar retorno além de ações de empresas?”, começa a ter diferentes respostas, em ativos de infraestrutura, real estate e renda fixa.
Parece que há uma correlação inversa entre o aumento da taxa de juros americanos e o valor da ações, como podemos ver nos gráficos abaixo:
Comparativo: O índice S&P (compostos pelos ativos mais relevantes da Nasdaq e Dow Jones) com a taxa de juros de 10 anos do tesouro americano
Comparativo: Múltiplos de receita anualizado de empresas de software com a taxa de juros de 10 anos do tesouro americano
Outro gráfico que é similar ao apresentado acima e ilustra bem a realidade é o publicado pelo Francisco Alvarez, Managing Partner da Riverwood. Podemos ver duas curvas, a de Juros dos Títulos do Governo Americano de 10 anos (em azul) e o múltiplo médio de empresas de Software-as-a-Service desde 2004 (em laranja). Observe como no longo prazo as curvas são inversamente correlacionadas:
Como dito, as empresas de alto crescimento são as que mais tem perdido valor em decorrência da inflação e do aumento da taxa de juros. É importante frisar que essas empresas não se tornaram ~50% piores, a questão é que a expansão monetária, a onde da digitalização provocada pela pandemia do covid e outros fatores formaram um cenário demasiadamente otimista, o que levou os valuations a patamares muito altos. E são esse valores altos que foi posto em pauta com o novo ciclo de juros. Também vale ressaltar que as que mais sofreram com reajustes são aquelas que não apresentam lucratividade ou margens relevantes.
Podemos evidenciar o tamanho do impacto nas empresas de growth na tabela abaixo:
Só para evidenciar o tamanho do reset ocorrido nos últimos meses vou usar a VTEX como exemplo:
No IPO da VTEX em Julho de 2021, os investidores precificaram o multiplo de valuation como 22x a receita estimada para 2022. Isso deu o valor de mercado da empresa para US$ 3.5 bilhões de dólares.
O valor de mercado atual da VTEX é US$ 775 milhões, com um múltiplo atual em relação a receita estimada de 2022 de 4.48.
Ou seja, em menos de 1 ano, o múltiplo de receita de uma empresa que é sólida e referência no cenário latinoamericano de tecnologia como a VTEX despencou de 22x para 4.48x. Esse é o tamanho do reset e da nova realidade do mercado. Vale ressaltar que o múltiplo de 4.48 é muito mais próximo da mediana histórica para empresas listadas SaaS Cloud B2B do que o 22x, que era um outlier, como pode ser vista no gráfico abaixo retirado do Bessemer Cloud Index:
Trazendo a realidade para o agregado do setor:
- Em Maio de 2021, o múltiplo de receita dos últimos 12 meses mediano das empresas "Cloud" era de 14,36x. Usando esse múltiplo como parâmetro, uma empresa precisaria de 69,6 milhões de dólares de ARR para se tornar um unicórnio e atingir o valuation de US$ 1 bilhão.
- Em Maio de 2022, esse múltiplo chegou a 6.46x, ou seja, uma startup cloud precisa de US$154 milhões de faturamento para se tornar um unicórnio. Desse modo, a empresa teria que faturar 2.23x a mais para ter o mesmo valuation que teria um ano antes.
O aprendizado que podemos retirar desse ciclo é de que, muitas vezes, a referência para valuation das empresas públicas de tecnologia estão erradas. Estimar o valor de uma empresa que teoricamente está "madura" (abertas na bolsa de valores) através do nível de receita e de growth é arriscado. Quando usar apenas múltiplos vira a regra, como aconteceu recentemente, o mercado pode operar de forma descolada da realidade e isto leva a tamanhas disparidades como vimos nos últimos dois anos.
A pergunta que fica é, como isso influencia o mercado de Venture Capital…
O que está acontecendo com o mercado de VC (Early e Growth-Stage)
A subida da taxa de juros trouxe muita incerteza para os investidores de Venture Capital, o que provocará uma redução do ritmo de investimento e nos valuations em relação ao vivenciado nos últimos anos.
David Sacks lista três efeitos diretos:
1) Múltiplos mais baixos no mercado público farão com que investidores sejam mais diligentes com valuations nas rodadas
Está acontecendo uma grande reprecificação de valuations. Como mostrado anteriormente, empresas de tecnologia listadas na bolsa de valores (seja marketplace, SaaS ou fintechs), perderam até 90% do seu valor de mercado. As rodadas de startups no mercado privado são precificadas por "múltiplos" de receita. Isto quer dizer que, o valor é estimado com base na receita corrente da empresa, que é pautada nos benchmarks e na média de mercado.
Exemplo: O múltiplo de receita atual das empresas "Cloud" listadas na Nasdaq é de 6.46x. Esse valor, com as devidas oscilações, tanto para cima quanto para baixo, norteia a precificação das startups "cloud' em todos os estágios após a série A. Logo, quando o valor se torna mais baixo no mercado público, as rodadas privadas serão precificadas a valores mais baixos.
No entanto, essa precificação ainda não chegou no mercado privado na mesma magnitude que se apresentou no mercado aberto nos últimos meses.
Toda vez que há um choque macroeconômico que afeta o comportamento dos fundos de Venture Capital, ocorre sempre a pergunta: "Qual deve ser a relevância do estado atual do mercado de ações uma vez que um Venture Capital investe com o horizonte de 5 a 7 anos, quando o momento de mercado será outro"?
Marc Andreesen nos trouxe uma resposta sobre esse ponto no "Good Time Show":
O mercado de investimento se assemelha a uma cadeia alimentícia. Dito isso, se um VC investe em uma startup Series A, o maior risco para ela é de que a startup não levante um Series B. O maior risco para o investidor da Series B é de que a startup não levante um Series C. O maior risco para um investidor da Series C é de que a startups não levante um Series D. E por aí vai, até o maior risco, que é o da empresa não fazer o IPO (que é a saída almejada). Investidores de Venture Capital precisam acreditar que os investimentos que eles estão fazendo agora serão viáveis independente do cenário econômico e que a startup conseguirá levantar uma próxima rodada.
Pelo que foi dito acima, podemos ver que múltiplos são um alicerce importante para a indústria de investimentos, principalmente se tratando de empresas passando por um momento de crescimento acelerado, quando fazer avaliações por meio do desconto de fluxo de caixa é praticamente inviável e a precificação desse ativo é uma ciência muito dificil.
A realidade do momento é descrita por Ravi Gupta, sócio da Sequoia, que demonstra o prejuízo da contração de multiplos:
O sentimento que tem sido vivenciado pela indústria é de que hoje há dois tipos de deals:
O que estão sendo finalizados pelos valuations antigos
Os que não estão conseguindo levantar capital
Ainda não estou vendo muitos deals acontecendo com downrounds mas creio que começará a acontecer (e ser noticiado) ao longos dos próximos meses.
2) Liquidez se retrairá do mercado de VC (lei da oferta e da demanda) (argumento YC)
A quantidade de deals sendo feitos e o valores agregados de investimentos em todos os estágios de financiamento de startups tendem a diminuir nos próximos anos. Isso acontece devido à retração dos mega funds e a redução da velocidade de deploy de capital.
2.1) Retração dos mega funds.
Comentei acima sobre a "cadeia do Venture Capital". Nos últimos 2 anos, um dos catalisadores da liquidez da cadeia eram justamente os mega fundos, como o VisionFund do Softbank e fundos "cross-over", que investem em empresas publicas e privadas -- movimento que vinha sendo liderado pela Tiger.
Só para ter noção da magnitude, a Tiger levantou (e investiu) nos últimos 2 anos mais de 20 bilhões de dólares em empresas de tecnologia, tendo adicionado globalmente 118 unicórnios somente em 2021. Parece que, de acordo com reports da indústria, a Tiger vem diminuindo drasticamente o nível de atividade desde fevereiro e agora está mais focado em oportunidades early stage.
Outro exemplo é o Softbank, que detém fundos combinados de US$ 162 bilhões de dólares, com US$7.6B apenas no fundo focado em LATAM. A redução da atividade de investimento em 2022 contribui com a tese da desaceleração. Uma reportagem da "protocol" aponta que Softbank cortará entre 50-75% dos investimentos em startups. O ritmo acelerado de investimento desses mega funds não deverá se repetir nos próximos anos, diminuindo assim a liquidez global da categoria.
2.2) Redução da velocidade de deploy de capital
Nos últimos anos, os fundos de Venture Capital se tornaram maiores e também passaram a investir todo o capital do fundo de forma mais rápida. O prazo habitual, de três anos, caiu para algo entre um e dois anos para os primeiros investimentos, fazendo com que o "giro de estoque" do setor fosse mais rápido.
Com a diminuição do apetite de investidores por essa classe de ativo, os fundos tendem a levantar e investir o capital de forma mais lenta, voltando à normalidade desse mercado. Isso fará com que a liquidez de todo o sistema se reduza de forma significativa.
3) Muitas firmas estão em compasso de espera (principalmente no late stage)
As incertezas atuais, tanto dos preços dos ativos de tecnologia, da possível recessão da economia global e até mesmo da Guerra da Ucrânia fez com que parte do mercado congelasse novos investimentos.
Há relatos de investidores do late stage que estão focando nas empresas do portfólio e simplesmente não estão mais investindo em novas oportunidades. Um amigo que estava no exterior recentemente contou que associates/principals de "growth funds globais" estão saindo antes da 5 da tarde, pois não há novos deals e muitos fundos LATAM estão mais focados no portfólio nesse momento.
De fato, os fundos mais bem capitalizados continuam a investir. Mas uma parcela do mercado, principalmente aqueles que já estão no final do montante captado ou sem visibilidade de novas captações, estão optando por esperar.
Como a nova realidade afeta cada estágio
De forma geral, esse é o sentimento:
Dependendo do estágio, o impacto do novo normal será diferente. A minha visão é de que as startups em todas as fases serão afetadas:
a) Seed: O foco da startup nessa categoria continua o mesmo. Encontrar Product Market Fit e mais nada. Em se tratando de fundraising, os founders deverão encontrar uma nova dinâmica, com um processo mais longo e um valuation não tão alto quanto antes. O Seed Round tende a ser o setor mais resiliente em relação a crises. Os cheques são menores, a distância para o exit também e sempre haverá mais players disponíveis para fazer o investimento. Uma recomendação para quem estiver nesse estágio é ler a carta do YCombinator para os founders.
b) Series A: Para as empresas captando series A, o fato é que a barra vai subir. Será exigido mais tração, a velocidade do crescimento será importante, assim como boas métricas em termos de cohorts (expansão de clientes, retenção, unit economics e múltiplo de burn). A convenção do mercado é de que o Series A é focado em crescimento e escala. Nos últimos anos, a barra do mercado abaixou e vimos diversos investimentos sendo feitos nesse estágio em empresas que ainda não tinham product market fit e estavam com baixíssimo nível de receita.
c) Series B/C+: Essa é a zona de maior risco. Uma vez que muitas empresas nesse estágio levantaram rounds com base em valuations muito elevado e com receita baixa, a redução nos múltiplos do setor trouxe um nível de exigência altíssimo para que a empresa seja capaz de obter um prêmio em relação à sua última rodada. Para aqueles negócios com altos valuations e baixas receitas, será demandado uma performance realmente diferenciada. Por exemplo, nos patamares correntes de multiplos, é esperado que a empresa fature em torno de US$ 150 milhões para se tornar um unicórnio, o que é muito diferente no ano passado. O investidor Elad Gil comenta que essas empresas precisarão pensar em crescimento cuidando muito bem do caixa e é provável uma estabilização de valuations ocorra nos próximos 2-3 anos.
Impactos na América Latina
Durante o Tech Founders Summit, Martin Escobari, Co-Presidente da General Atlantic, comentou que viveremos uma nova realidade:
"O problema do Brasil é que sempre chegamos tarde na festa… e a festa sempre acaba para todo mundo na mesma hora". Para ele, a festa acabou: dos altissimos valuations, da liquidez gigante.
O fim da festa, para mim, terá os seguintes impactos:
Mudança de perfil do Late Stage
Softbank, como disse anteriormente, foi o grande financiador das startups maduras na América Latina nos últimos 4 anos. O fundo quase que "monopolizou" o investimento em startups de altíssimo crescimento que fechavam rodadas sob múltiplos de receita elevados. Me parece que a diminuição global do ritmo de investimento desse player e as saídas dos principais executivos provocará uma redução local nos investimentos também. Não creio que haverá um "substituto", mas um pool relevante de investidores fundamentalistas do late stage como General Atlantic, Warburg Pincus, Riverwood e até fundos de Private Equity que vão atuar com mais vigor nesse setor de tecnologia. GA inclusive já fez seu primeiro movimento ao comprar mais 6% da Locaweb e a Advent anunciou um novo fundo global de US$25 bilhões, no qual até 20% será destinado a LATAM e com certeza, uma parte para tech.
2. Redução de captação de novos fundos e consequentemente, liquidez
A boa notícia para as startups latino americanas é que há um dry-powder, isto é, reserva de capital relevante na mão dos principais fundos latino-americanos, como pode ser visto no gráfico abaixo.
Por outro lado, o novo cenário, de SELIC alta para brasileiros (que ainda enfrentarão um complicado ano eleitoral) e juros mais altos para investidores estrangeiros, tornará a captação mais difícil e concentrada com os fundos de melhor track record. Importante frisar que por mais que seja menor, isso não significa que não haverá captações. De qualquer forma, haverá redução agregada do dinheiro na mão dos Venture Capitals, e menos oferta de capital para uma demanda (startups) que tende a se manter estável.
3. Valuations e investimentos menores
Menos oferta de capital com uma demanda (startups) estável leva a um maior poder para investidores em relação a situação de 2021, o que irá gerar deals sob menores valuations e tamanhos de rodadas, pelo menos para a maior parte das startups. Vale frisar que acredito que a entrada de fundos estrangeiros na competição por deals LATAM tende a permanecer relevante nos próximos anos, o que pode contra-balancear a minha tese de menos oferta de capital.
4. Saídas incertas
Para esse ponto, republicarei a explicação do Eduardo Vasconcellos:
Com o mercado de Growth mais difícil, teremos menos secundárias. Note que em muitos casos as secundárias ocorrem pois tem mais dinheiro querendo entrar na companhia do que o tamanho da rodada. Se o capital está mais escasso, secam as secundárias. O mercado de IPOs de empresas de tecnologia na B3 precisa recuperar sua credibilidade, depois da péssima performance das empresas da safra 2020-2021. A Nasdaq, destino sonhado por tantos empreendedores brasileiros, também se mostra um ambiente hostil. Um IPO de uma empresa brasileira com valor de mercado de digamos, uns $2 bilhões, apesar de grande em termos locais, pode rapidamente se tornar uma ação irrelevante no mercado americano. O principal exemplo dessa situação é a Vtex, uma das melhores empresas de tecnologia da região, a espinha dorsal do eCommerce de milhares de companhias na América Latina. A Vtex fez um IPO de muito sucesso, captando $361 milhões de dólares com um valor de mercado de $3,6 bilhões. Hoje a Vtex, uma empresa que continua performando bem, tem valor de mercado de ~$1 bilhão de dólares, é uma ação ilíquida e difícil de ser notada por grandes investidores. Veja que o preço da ação não deveria impactar a gestão de um negócio controlado pelos fundadores, mas quando os colaboradores, que numa empresa de tecnologia é um ativo muito valioso, são remunerados primordialmente através de opções de ações, isso é um problema.
Outro ponto de incerteza para o mercado é que empresas que foram compradores de startups nos últimos anos como Stone, Locaweb, TOTVS, Magalu estão enfrentando um momento complicado, que deverá reduzir o apetite por aquisições.
5. Capital como upside
Um dos problemas recentes da economia é que receber investimento tornou-se muitas vezes a única fonte de "sobrevivência da empresa", uma vez que seus "unit economics" não eram comprovados. Com a redução de apetite a risco, as empresas que receberão mais investimentos são aquelas com modelos de negócios saúdaveis (unit economics comprovados) e alta capacidade de escala. O capital tende a virar uma "opcionalidade/upside" e não a principal variável para existência do negócio.
6. Transição de foco dos fundos de VC das métricas top line (Crescimento de Receita, Usuários) para uma maior atenção para as bottom line (eficiências, margens, burn)
Meu próximo artigo será sobre: Métricas de VC no "novo normal" do mercado. Conversei com diversas pessoas dos 10 principais fundos da LATAM e ouvi praticamente de todos que métricas como "Múltiplo de Burn", "Eficiência de Headcount" estavam entre as mais importantes. Essa é uma nova realidade. Meses atrás, o foco era acima de tudo: Growth, Growth, Growth. Então, vejo emergir um novo mindset, mais próximo do "Value Investing" e "Fundamentalismo" em todos os estágios.
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Recado a founders
O primeiro e mais importante conselho é: Encare a nova realidade. A mudança é inevitável e temos que nos contentar com o fato de que precisamos nos adaptar (e evoluir) com as transformações de ecossistema.
É preciso que founders tão logo percebam que estamos vivendo um choque macroeconômico relevante e que a realidade dos últimos anos não tende a ser o melhor reflexo sobre o que nos espera nos próximos 2-3 anos. É mais sábio preparar-se para o pior, levantar a bandeira de guerra e ter a opcionalidade de ter boas surpresas. A agilidade em encarar o novo momento pode gerar uma vantagem competitiva em relação aos concorrentes.
A Lightspeed Partners, um dos principais fundos de tecnologia, divulgou uma carta aberta com o título de "The Upside of a Downturn" com os conselhos que vou sumarizar abaixo:
Permaneça Otimista: Ciclos vêm e vão, mas a transformação e as oportunidades geradas pela tecnologia são uma tendencia secular. Fique otimista diante da enxurrada de notícias e conversas pessimistas.
Não desperdice uma crise: Utilize-a como forma de alinhar seus stakeholders em prol do seu objetivo e torne as suas metas ainda mais a prioridade.
Revise talentos: um período de retração facilitará a contratação e retenção de talentos. Esta é também uma oportunidade de subir a barra de qualidade nas suas contratações.
Corte atividades não essenciais: Utilize a crise como forma de alinhar o que realmente é importante para sua empresa.
Aprimore o seu modelo de negócios: foque em entender como o "unit economics” evolui e se torna uma base para resultados reais no longo prazo.
Consolide sua liderança de mercado
Sobreviva antes de prosperar
Variável determinante
Costumo pensar em probabilidades e creio que há 3 cenários que podem acontecer correlatos a duas variáveis que influenciam a realidade das startups: inflação e taxa de juros.
Otimista: A inflação não mantém o ritmo de crescimento (motivos: (i) resolução do conflito ucrania-russia gera redução do preço da energia, (ii) problemas no supply chain são resolvidos (iii) aumento da taxa de juros reduz significativamente a pressão inflacionária da demanda) e nesse caso os juros não continuam a subir e retomamos a algo parecido com o que vivemos de liquidez por ativos de tecnologia. Me parece um cenário improvável porém possível.
Base: A inflação mantém o ritmo de crescimento, os juros sobem de forma veemente, há redução da liquidez e viveremos alguns anos de juros mais altos que diminuem apetite por ativos de tecnologia com retornos no longo prazo. Me parece o cenário mais óbvio e provável.
Catastrófico: A Guerra Ucraniana se torna maior, contagia o preço global das commodities que sobem ainda mais e aumentam a inflação. Outros desastres como defaults de uma grande economia endividada como Itália, Espanha poderiam gerar crises financeiras relevantes no mundo. Tudo isso leva juros a patamares altos históricos, que contaminam ainda mais o valor dos ativos em tech. Me parece muito improvável esse cenário.
Um grande momento pela frente
Howard Marks é um investidor que admiro e cuja filosofia eu sigo. Ele opera a partir da premissa de que estamos sempre em ciclos que eventualmente vão se auto-corrigir. O futuro é imprevisível, mas de certa forma, o processo de "boom and bust", ou seja, de crescimento e retração, é razoavelmente previsível.
Edson Rigonatti também aplica esse mindset: um dos seus mantras é o Reversion to the Mean, que defende que sempre voltaremos a mediana histórica do mercado, independente do momento do ciclo.
A tese desse artigo é de que estamos vivendo um período de transição de ciclos. Não a julgo como pior ou melhor, apenas diferente. A única certeza que carrego é que, seja lá em qual ciclo estiver, a inovação promovida pela tecnologia não vai parar. De fato, a tese da digitalização nunca esteve tão sólida: temos infraestrutura (cloud, fintech, mobile) a custo acessível, talentos com interesse e habilidades para trabalhar com tecnologia e um mercado de investimentos early stage que é sólido (pode mudar o modo de operação sendo mais lento e pagando menos, mas é muito resiliente).
Nas outras crises, empresas como Amazon, Google, Airbnb, Uber, Salesforce construiram o negócio e criaram as alavancas de escala que as tornaram esses gigantes. Como ponto positivo para o empreendedor brasileiro, a crise nunca foi uma novidade, então creio que temos uma maior "casca" em termos de resiliência.
Finalizo esse artigo comentando sou muito bullish a respeito de uma oportunidade gigante em tecnologia: temos desafios enormes na crise climática, na saúde mental e física das pessoas, na produtividade do campo, na inclusão financeiras das pessoas e simplesmente a resposta para esses desafios está na construção e distribuição de tecnologia. Estamos só no começo da era do "software eating the world".
Um contratempo apenas fará com que essa indústria se torne mais forte e madura no longo prazo. Espero que esse post não traga o pensamento de que o mundo está acabando - ele só será diferente do que vivemos nos últimos.
A oportunidade de construir empresas revolucionárias nunca foi tão grande.
Disclaimer: Esse artigo reflete as minhas opiniões pessoais e não expressam necessariamente a visão da gestora pela qual eu trabalho.
Quero deixar um agracimento muito especial aqueles que me ajudaram com a revisão do texto e feedbacks:
Eduardo Vasconcellos (Investidor de tecnologia e escritor), Leonardo Otero (Arbor), Snowballer (Arbor), Thiago Duarte (MOS Capital), Rodrigo Fernandes (especialista em finanças para negócios digitais), Giro Lino (Escritor e Investidor), Joaquim Neto (One Asset) e aos meus irmão Aloísio Abreu (Milatec) e Camila Abreu (Simbiose Social).
Além disso, queria agradecer a todos aqueles que tive conversas informais sobre o tema (foram muitos!).
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