Episódio 6 do Abreu Podcast no ar: Tiago Reis, fundador da Suno Research e uma das vozes mais influentes do mercado financeiro.
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A ilusão do Product Market Fit no B2B
Perguntei a Kiko, fundador da Qulture Rocks, sobre Product Market Fit. Sua resposta me surpreendeu.
O Product Market Fit clássico que eles falam lá no Vale é a tese de que as pessoas estão batendo na sua porta para comprar o teu produto e você não consegue entregar o produto rápido o suficiente. Eu só vi isso acontecendo no NuBank. E não foi na minha opinião um Product Market Fit engineered. Ele contou com a sorte: resolveram fazer cartão de crédito, executaram negócio legal por uma marca bacana e tal mas ninguém podia prever o nível de sucesso que aquele negócio teve e o fato dos clientes de fato baterem na porta e pedirem implorar me dar cartão de crédito
A lista de espera do cartão começou com apenas 400 cartões, Friends and Family. Você conhecia alguém, pedia para alguém que trabalhava lá e a pessoa enviava um cartão. Eu vi essa fila crescer para 10 mil num piscar de olhos. Depois que saí, o crescimento continuou loucamente, sem grandes esforços de marketing. Foi boca a boca, member-get-member e viralização orgânica. Isso, para mim, é a definição clássica de Product Market Fit do Vale do Silício."
Então, o Kiko, que é fundador da Qulture Rocks, que faturava milhões de reais, e vendeu para UolEdtech e investiu em várias empresas como Creditas e GymPass, disse que só viu isso uma vez? Há algo errado, e provavelmente é o termo “Product Market Fit", cuja definição exclui a maior parte dos sucessos no mercado B2B.
Comecei minha jornada para entender PMF buscando o significado original. O criador, Andy Rachleff, se inspirou nesta frase de Don Valentine, fundador da Sequoia:
I want a company that has such demand from the market that they can literally screw everything up and still succeed.
Isso mostra que demanda é a variável chave. Considerando que é preciso ter um produto funcional e clientes satisfeitos, chego à seguinte equação:
Product Market Fit = Demanda + Satisfação e Engajamento do Uso.
Vamos pensar nas diferenças da demanda dos modelos B2B e B2C.
A equação da demanda
Destrinchando-a como uma fórmula:
Demanda= Valor Percebido−Preço−Competição+Eficiência de Distribuição
Demanda: A quantidade de produto que os consumidores desejam comprar.
Valor Percebido: A utilidade ou benefício que o produto oferece aos consumidores.
Preço: O custo do produto para o consumidor.
Competição: A disponibilidade e atratividade de produtos concorrentes ou substitutos.
Eficiência de Distribuição: A capacidade de gerar vendas, incluindo a geração de leads e a eficiência do processo de vendas.
Valor percebido, preço e competição representam a dinâmica específica de cada mercado. Resta a variável "eficiência de vendas", que é aquela diferencia de forma crítica o B2C do B2B.
As diferenças B2B vs B2C:
A diferença básica é que na maior parte das ofertas B2C, o usuário compra o produto para ele. A compra por impulso ou influência é muito maior. No B2B, especialmente em empresas médias e grandes, o processo é racional e envolve múltiplos compradores. Além disto:
Ticket médio: O valor alto exige processos de vendas que tendem a ser mais complexos.
Crescimento Orgânico: No B2B, o crescimento orgânico é limitado. O efeito boca a boca tem um teto baixo, dado a quantidade de pessoas envolvidas.
A importância da replicabilidade: o comportamento "repetitivo" representa ainda mais importância em vendas B2B, que conta menos com viralização e crescimento orgânico.
Product Led Growth: Freemium é raro no B2B.
A complexidade no processo de vendas, a dificuldade em viralizar, os múltiplos stakeholders e a impossibilidade de testes rápidos tornam a "eficiência de vendas" mais complexa no B2B. Isso impede curvas exponenciais de demanda, tornando o PMF no B2B distinto do B2C. A abordagem "one size fits all" do termo não representa as diferentes nuances do mundo das startups.
Perguntei a um amigo que dobrou o ARR no último ano sobre PMF:
Realmente é algo diferente. em geral, pra chegar no PMF que os caras de VC defendem, o maluco (vulgo "founder") tem que ir para o outbound pesado, vender o que não existe e atropelar a lentidão natural do mercado. então ele cria uma falsa ilusão de “pessoas estão desesperadas atrás do produto”. na verdade não estão, é você que está desesperadamente caçando compradores do seu produto.
No mundo B2B, a "sorte" ou a chance de seu produto explodir é muito menor. A repetibilidade do processo de distribuição se torna muito mais importante.
Os 4 níveis de PMF
A melhor forma de analisar a qualidade do PMF B2B foi feito pela First Round. Eles definem que existem quatro níveis:
Os quatro níveis de PMF (Product-Market Fit) são:
Nível 01: Nascent
Você tem alguns clientes iniciais um tanto engajados e felizes, mas as coisas ainda parecem iniciais e desorganizadas. O foco deve ser em aumentar a satisfação.
Nível 02: Developing
Você tem mais clientes pagantes e engajados e menos churn. É necessário trabalhar na geração de demanda.
Nível 03: Strong
O momentum está crescendo e você finalmente está sentindo a "atração" da demanda. É hora de focar em aumentar a eficiência.
Nível 04: Extreme
Você está resolvendo repetidamente e de forma eficiente um problema urgente para um grande número de clientes que precisam do seu produto.
Os níveis evoluídos (3 e 4) têm um ponto em comum: a demanda é alta, resultante da variável eficiência de distribuição.
São PMFs muito diferentes pois… a forma de gerar demanda é diferente.
A ilusão do PMF como visto no Vale do Silício raramente se aplica ao contexto B2B. A natureza diferente da demanda e o processo de vendas complexo requerem uma abordagem específica. Compreender essas nuances é crucial para o sucesso das startups B2B e reduzir a ansiedade dos fundadores.
Notas:
A segunda parte da equação é "retencao e uso". Para entender mais, recomendo ler este artigo: https://abreu.substack.com/p/formas-de-mensurar-o-product-market-fit-atrav%C3%A9s-da-an%C3%A1lise-de-reten%C3%A7%C3%A3o-e-satisfa%C3%A7%C3%A3o-90f6cfaf389b?utm_source=publication-search
B2B2C é uma dinâmica diferente. Existe mais efeito de rede envolvido, entao provavelmente um lado da equaçao se assemelha mais ao B2C e o outro ao B2B, o que torna um meio do caminho ao que disse sobre PMF.
Essa discussão começou no linkedin. São mais de 50 comentários que contribuíram para construir este texto.
Lenny compilou um ótimo artigo sobre achar product market fit no B2B. O mais legal é ler relatos de founders de empresas de sucesso (Como Gusto) que falam que nunca sentiram PMF:
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